O 1º FRAGMENTO: AS ESCADAS DE BRIOCCI

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Era uma noite clara, a lua cheia banhava uma rua estreita com seu brilho lúgubre. Um morro íngreme se elevava pintado por uma rala cobertura campestre, e por ele subia uma trilha sinuosa feita de calçamento antigo. Era cercada por pequenos arbustos e árvores que acompanhavam o caminho das pedras. Folhas mortas empilhavam-se na via, sopradas de vez em vez por uma brisa rara. As estrelas cintilavam abundantes, desenhando num céu límpido suas mais diversas constelações.

O silêncio era quase absoluto, marcado apenas pelo farfalhar das folhas ao vento, o deslizar furtivo de alguns animais noturnos e ruídos abafados de um caminhar nervoso. Projetando longas sombras sobre a paisagem arborizada, dois vultos caminhavam lado a lado. Seus passos estalavam as folhas secas espalhadas pelo chão.

Um deles era um homem muito magro, tinha a face oculta por um véu negro. Ofegava silenciosamente e subia a trilha com pressa, a peça de seda balançava sobre o seu rosto, acompanhando a respiração desregulada.

Ele segurava firme a mão de uma garota pequena que aparentava uns seis ou sete anos de idade, ela levava no rosto uma expressão triste, mantinha a cabeça abaixada e o olhar distante. Tinha cabelos ruivos, de um escarlate profundo. Não hesitava nem reclamava, apenas seguia o homem, dava sua mão e deixava ser carregada com a apatia de um bichinho leal.

Eles andaram por algum tempo, seguindo a trilha do morro, até chegarem a uma pequena praça circular. A iluminação era fraca, provida apenas por um velho poste de luz solitário em seu centro. Seguiram pelo interior da praça e entraram por um portal de madeira tosca no outro lado. Andaram por mais um trecho de trilha calçada e passaram a subir uma escadaria de pedra até o topo do aclive. Após alguns lances de escadas, o homem parou e se curvou sobre os joelhos, tossia incontrolavelmente. Tentou inspirar fundo, e mais um acesso de tosse lhe rasgou a garganta. A menina se aproximou e tentou erguê-lo dos degraus da escadaria. Ele a afastou com o braço e lhe mirou um olhar de compaixão.

- Não se preocupe comigo, estamos quase chegando – disse ele, após um longo suspiro.

Ele se levantou com calma e retomou a caminhada. Continuaram a subir as escadas, de vez em quando o homem parava para tomar oxigênio, sua respiração tornava-se cada vez mais ruidosa. A garota mostrava sinais de preocupação, puxava-o pelo braço e o incitava a continuar a marcha. Ele apenas ria e logo voltava a andar.

Andaram por mais algum tempo, até que avistaram uma pequena casa junto às escadas. Era feita de tijolos e madeira trançada, parecia acomodar pouco mais de duas pessoas e transparecia um aconchego peculiar. Suas janelas mostravam o interior iluminado, a silhueta de uma pessoa os aguardava no lado de dentro.

- Viu? Chegamos. Não foi tão difícil assim - disse o homem com uma voz alegre.

Eles se aproximaram da porta. O homem tocou a campainha, logo o anfitrião veio atendê-los. Era alto e forte, trazia no rosto uma expressão sisuda e na cabeça, cabelos grisalhos.

- Achei que não vinham mais - disse ele, com uma voz carregada. - O que acharam da subida?

- Um inferno. Por que teima em viver como um eremita? – riu o homem, cumprimentando o outro com um abraço amigável. - Como vai, Merrik? Quanto tempo faz, três anos?

- Acho que mais, se não contarmos as reuniões do Atherum - disse ele.

E virando-se para a garota:

- É essa a menina? Como vai, pequena?

Ele tentou sorrir, mas o resultado acabou assustando a criança, que se escondeu desconfiada atrás do seu protetor. O homem riu alto.

- Viu? Eu bem disse para você não tentar mais fazer a cara amigável, ela é medonha como... - começou, mas o gracejo foi interrompido por mais um acesso de tosse. O homem levou a mão à boca e se curvou sobre os joelhos. Merrik franziu as sobrancelhas.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora