PARTE 3 / CAPÍTULO 8: NOTÍCIAS NEGRAS

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– Fale-me de Raab – disse Mihai a Nicoleta, duas horas após deixarem Forte Dragoi.

O sol se punha à pino e o grupo havia parado brevemente na beira da estrada para encher os estômagos e descansar as pernas. Os dois sentavam junto a um salgueiro, sobre uma relva baixa, observando a Confraria de Dórdolo limpar e assar algumas lebres que Gilliam havia capturado pelo caminho.

Ela suspirou quando o abade lhe fez essa pergunta, e voltou os olhos à criaturinha que escoltava Carmine. Haviam lhe dado uma túnica para se cobrir, e agora ele se enrolava no tecido, deixando somente os seus olhos desnivelados à mostra enquanto observava os arredores. Ele notou que Nicoleta o espiava e lançou-lhe um sorriso banguela, abanando a mão de forma descoordenada em uma tentativa de aceno.

– Não sei o que ele é, nunca soube – começou ela, pensativa. – Ele era invisível, e começou conversando comigo em sonhos, coisas simples, enigmáticas. Então, no dia em que você me informou sobre a morte de Petru, ele surgiu... usando o rosto dele.

– Ele é capaz de mudar a própria face, então? – Mihai ergueu as sobrancelhas.

– Não apenas a face. Tudo. Ele pareceu gostar de se apresentar como uma criança, um garoto pálido e careca.

– Como agora? – perguntou, discretamente voltando os olhos à criaturinha. Ele não devia ser mais alto do que uma criança de cinco anos, curvado e deformado.

Seus braços e pernas eram de tamanhos distintos, o que o obrigava a andar de forma lenta e cambaleante. Seu rosto parecia ter sido ligeiramente rolado para a direita, o olho esquerdo era alto e torto, enquanto o olho direito era baixo e vesgo. O nariz era mal formado, grande e bulboso, e o sorriso era só gengivas, como o de um recém-nascido. A cabeça, por sua vez, era pequena demais para um adulto, mas grande para um infante, o resultado era uma bagunça sórdida de partes, como se alguém tivesse separado elementos de diversas pessoas e colado em apenas um indivíduo.

Nicoleta meneou a cabeça.

– Não assim. Ele só era visível para mim, mas antes ele parecia menos... humano – ela cerrou os olhos enquanto avaliava Raab, ainda incerta de que palavras escolher. – Quer dizer, o rosto dele se parecia mais com o de uma pessoa, mas ainda se comportava como um monstro, como se estivesse acima de nós, como se nada no fundo importasse, exceto a sua missão de encontrar Carmine. E ele não era sólido. Não possuía um corpo, não de verdade.

– E agora, o que mudou?

– Eu... eu não sei. Fisicamente, ele parece mais monstruoso agora, só que de alguma forma mais humano, emocional, de carne e osso – Nicoleta passou a girar um cacho entre os dedos, contemplativa. – Eu acho... eu acho que ele está se fortalecendo, o tempo faz dele mais forte, mas também o torna mais como a gente. A conexão com o nosso mundo o nutre, enquanto o faz lentamente regredir a uma existência mortal.

– O que te faz chegar a essa conclusão?

– O modo como ele se comunica, o jeito como ele sempre fala em se "alimentar", referindo-se a Carmine como sua "germinadora", e... nós dividimos algum tipo de conexão que não compreendemos. É difícil explicar, mas eu consigo senti-lo abandonando a própria natureza. Ele era onipresente, absoluto, e agora está preso à terra como todos nós.

"Como um anjo que cortou as próprias asas." – pensou Mihai, sentindo-se mal por comparar aquela feia criatura a uma entidade divina.

O abade levantou o rosto para apreciar o céu branco de inverno, tendo certeza de que, mesmo que fosse capaz de viver para sempre, nunca teria tempo o suficiente para chegar a uma explicação para todos esses incidentes que já haviam se tornado parte de sua vida. Soltou um longo suspiro e então voltou os olhos à Nicoleta, ela parecia ter começado a repor um pouco de peso, e sua pele estava mais corada. Parecia menos doente.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora