PARTE 2 / CAPÍTULO 18: IMPÉRIO

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De pé, em frente ao público relativamente numeroso que assistia ao batizado da recém-nomeada Carmine, Mihai se viu perdido em seus próprios pensamentos, castigado por sentimentos conflitantes. Inicialmente contrário à permanência da garota no templo, fora praticamente obrigado a ajudar Grigore na unção, mas agora que tudo estava feito, sentia-se estranhamente leve, talvez até alegre.

Ela trajava uma camisola usada que costumava pertencer a uma das criadas. O tecido havia sido lavado tantas vezes que o material, outrora branco, já se encontrava tingido de amarelo, mas de alguma forma conseguira parecer uma rainha em vestido perolado ao caminhar até o altar para receber o sacramento. Quando ela baixou a cabeça e revelou o pescoço para que Grigore despejasse a água benta, Mihai sentiu um calor no peito e descobriu o quanto estava afeiçoado.

"Passei tempo demais com ela, deixei o coração afetar meu julgamento."

– Creio que isso resolva muitos de nossos problemas. – falou-lhe Grigore após a celebração, quando metade dos convidados já havia se retirado.

Olhou para Carmine enquanto ela se divertia com os mercenários, eles mexiam em seus cabelos ainda molhados para que se fixasse em formas pontudas. Algumas outras pessoas haviam tentado se aproximar dela, principalmente Isaac, portando seu mais brilhante sorriso, mas os não-juramentados pareciam ser os únicos que conseguiam se comunicar com ela em algum grau.

– Quais problemas, exatamente?

– Os aldeões não irão mais incomodar. Antes, eles buscavam um demônio, agora têm uma criada.

– Será que ela sabe que é uma criada agora? Quem irá ensiná-la os serviços domésticos? Rafaella?

– Não há razão para não ser assim.

Alguns noviços ajudavam o abade a remover sua desnecessariamente longa e pomposa túnica dourada. A vestimenta, em conjunto com a mitra alta, faziam o homem, já curvado com a idade, parecer ainda menor e mais frágil.

– Se me perdoa o comentário, senhor, não acho que seja muito ortodoxo introduzí-la ao regimento do templo sem antes saber se ela realmente se comprometeu com isso. Pagã ou não, batizá-la sem que ela soubesse sequer os termos do catolicismo é precipitado e presunçoso.

– Os termos são secundários, Mihai, ela irá se familiarizar à medida que for aprendendo a língua. Falas como se convertê-la tivesse sido um ato intolerável.

– Ela não é um bárbaro, não é como se estivéssemos lidando com mouros ou corsários nortenhos. É possível que tenha vindo de terras bretãs, podia ter sido uma cristã desde o princípio.

O abade lançou-lhe um olhar cansado.

– Um dos irmãos veio da Bretanha, não? Aquele jovem de cabelos negros?

Mihai sentiu o rosto ficar vermelho.

– Johanel. Sim, senhor.

– Ele mencionou algo sobre o dialeto dela ser similar ao bretão?

– Não, senhor. Mas não quer dizer que...

– Se ela já era uma cristã, então o sacramento foi uma mera formalidade, se não, fizemos o nosso trabalho. Francamente, Mihai, por esses dias parece-me que tu procuras formas de me contrariar.

– O senhor não escuta mais os meus conselhos, tenho de achar formas de me fazer ouvir.

– A garota é inofensiva, achei que tu já concordasses com isso.

– Não é sobre ela ser inofensiva ou não, preocupo-me com tuas intenções, senhor. Tu já demonstravas interesse em converter Carmine mesmo antes de descobrirmos que ela era realmente humana, e tu nunca me dissestes o porquê.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora