PARTE 2 / CAPÍTULO 25.1: IRGALMAS DE KALARASH

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Quando a comitiva atravessou a fronteira de Kalarash, uma fina camada de neve se formava sobre a estrada pedregosa. Os dias claros haviam dado lugar a uma cortina branca e as gentis brisas iam convulsionando, em pouco tempo haveriam de se tornar ventos congelantes. O castelo de Razguvda, casa da dinastia Irgalmas, era uma cidadela à margem do Danúbio, a doze quilômetros de Teodorópolis, um estratégico assentamento militar agora sob poder de Bizâncio.

O burgo da fortaleza não era impressionante, talvez fosse menor até do que o de Forte Dragoi, mas o domínio dos Irgalmas não se resumia àquela porção de terra. Uma vasta quantidade de fortes e vilarejos sob o comando do pai de Katia se estendia por toda a fronteira com o Império, e o grande número de vassalos asseverava a supremacia de sua família sobre toda a região.

Friedrich enviara um arauto à frente algumas horas antes de sua chegada, e quando a caravana alcançou os portões da muralha, um regimento de cavaleiros os aguardava, portando estandartes. Impressionantes leões púrpura de três caudas se agitavam em longas flâmulas ao vento.

À medida que as carruagens adentravam as muralhas de pedra, os cavaleiros em reluzentes armaduras de aço fechavam a escolta atrás e ao lado, formando uma fila indiana de quarenta cavalos que se estendia pelas vias apertadas da pequena cidade. Passaram por casas, hospedarias, tavernas e estrebarias. Não havia sequer uma só pessoa nas ruas, o comércio estava fechado. De seu vagão, Ion pôde ter um vislumbre de olhares rápidos e curiosos por entre venezianas e janelas entreabertas. Esticou o pescoço para fora e viu uma porta fechar com rapidez.

– O que está acontecendo? Onde estão as pessoas? – perguntou para um dos cavaleiros que galopava ao lado de seu vagão.

– Lorde Alexandre sugeriu que ficassem em suas casas essa semana – respondeu o homem, com a voz abafada pelo elmo reluzente. – O fisco já teve início e é costumeiro que alguns relutem em contribuir. As ruas limpas ajudam a conter eventuais problemas e subversões.

– É mais fácil intimidar um por um, eu entendi – Ion voltou ao calor de seus lençóis sem dar chance de tréplica, e lá adormeceu até seu vagão reduzir a velocidade e parar de forma definitiva, à frente de Razguvda.

O castelo não possuía a majestade e opulência brilhante de Forte Dragoi ou Altorrio, era uma construção fortificada e sóbria de três andares, cingida por muralhas duplas cobertas de arqueiros. A neve havia se espalhado pelas ameias e telhados, pintando de um branco álgido os blocos de pedra cortada e se transformando em lama sob os pés dos soldados em formação.

Ao perceber que haviam parado, Ion espreguiçou-se sonoramente e se atirou para fora de sua carruagem, desejando nunca mais ter de voltar a seu assento trepidante. Katia estava certa, a viagem de duas semanas não demorara a se tornar um tormento excruciante. Achava que pegar a estrada sobre uma mula era ruim, mas algo na construção daquele carro fazia a mínima vibração causar dor em ossos que Ion nem sabia que existiam. Pensou em Catarina, e no quanto ela deveria se sentir só naquele estábulo gigantesco de Rosufort.

"Se eu estivesse com ela, a viagem teria sido mais lenta, mas muito mais confortável."

Olhou ao redor e pôde vislumbrar alguns dos companheiros de Friedrich em meio a uma acalorada discussão com o que seria o comandante das tropas de Irgalmas. O homem posava em armadura completa, sereno sobre o seu corcel de batalha, enquanto um grupo de jovens cavaleiros arguiam com ele e entre si.

– Como podem esperar que rendamos nossas armas!? És um cavaleiro também, sir, nossas espadas são antes companheiras do que ferramentas de batalha!

– Isto está além de qualquer discussão – respondeu o homem, com a voz abafada pelo capacete. – Apenas a guarda de honra possui permissão para portar aço nos salões de Razguvda.

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