PARTE 2 / CAPÍTULO 16: RALF

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O homem conhecido como "O Incólume" sentava sozinho, afastado de seus companheiros, mas observando-os de longe. Ninguém havia se aproximado dele na última noite, enquanto antes nunca o teriam deixado sem proteção por mais de dez minutos. Todos os olhos voltavam-se a ela, e ele a mirava com desprezo.

"Por que tratam a maldita como um dos nossos? Tudo o que ela fez foi pingar um pouco de sangue no Hans, ele pode ter se recuperado sozinho."

Eles haviam interagido com ela em volta da fogueira a noite inteira, bebendo e tentando fazê-la falar palavrões. Alguns a desafiaram em duelos de força e habilidade, mas ela parecia ter maestria em praticamente tudo, de queda de braço a lançamento de facas. Gilliam a destruíra no arco e flecha, mas ele havia dito que ela nem sequer sabia segurar o arco direito, então não houvera desafio.

Chamavam-na Carmine agora.

– Por causa da cor dos cabelos – dissera Gon Gigante, também apelidado recentemente após a entrada de um outro membro chamado Gon, que se tornara Gonzinho. – Consegue dizer isso? Car-mi-ne.

Cor-mie-ny –repetira ela, revirando os olhos em clara zombaria.

Se qualquer outro tivesse feito mesmo, Gon Gigante teria-lhe quebrado pelo menos três dentes, mas ao invés disso ele levou a mão ao estômago e gargalhou como se fosse a piada mais engraçada que já ouvira na vida, assim como todos os outros. E ela parecia gostar disso, estava ajustando-se bem até demais.

Ralf bebera com eles por algumas horas antes de se retirar, irritado.

Duvidava que sequer haviam notado que ele não estava mais lá. Naquele momento, carregavam-na no ar após ela realizar uma série de arremessos praticamente impossíveis de um velho cinzel que haviam encontrado no arsenal. Ela voava sobre o braço dos homens; eles gritavam, empolgados, e ela ria como uma menininha.

"Temos de terminar o trabalho e sair desse lugar."

Agora, ela ocupava o lugar de macaquinho do grupo, mas como seria quando aprendesse a língua? Com o rumo que as coisas tomavam, provavelmente alguém ia pedir para incluí-la na Confraria e, pelo jeito que alguns dos homens olhavam pra ela, Ralf sabia de que lado ficariam.

De longe, viu Gilliam e Orson deixarem a abadia entusiasmados, dirigindo-se aos pulos à aglomeração no outro lado do pátio, completamente bêbados. Então, viu Hans segui-los mais atrás.

"Chegou a hora de tomar o controle da situação."

Aproximou-se do companheiro e puxou-o pela camisa.

– Como está o braço? – perguntou, erguendo a sua manga até o ombro.

A pele já estava cicatrizando após metade de um dia. Depois de terem lavado a ferida, poderia até pensar que não se tratava de um ferimento recente.

– Me larga, porra! – falou Hans, desvencilhando-se. – O braço tá ótimo, podia só ter perguntado.

– Exato, ele tá ótimo, que porra foi essa? Cê tava quase morto ontem, como diabos se curou tão rápido?

– Queria que eu tivesse morrido, caralho? A Carmine fez algo com o sangue dela. Ou foi o que me disseram, eu tava apagado.

– Ela quase te matou!

– Pelo menos pude dar uma apalpada de leve – ele riu, movendo o pulso machucado. – Uma bunda maravilhosa por uma sova ou duas, eu chamaria isso de um bom negócio.

Ralf levantou o colega pelo colarinho e o bateu contra o muro de pedra. Sabia que seu rosto deveria estar vermelho como uma beterraba, sentia o sangue pulsar em sua têmpora.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora