O 8º FRAGMENTO: REIWAN

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Era o final da aula de biologia básica do professor Francis Rahd. A última antes do toque das dezenove horas, que marcaria o fim do dia na escola militar de Venécia. Leina não absorvera absolutamente nada do que o professor Francis havia ensinado naquele dia, assim como não absorvera nada do fim da aula de história contemporânea da professora Karin e tudo mais que lhe havia sido dito. A garota filtrava apenas afirmações sem nexo enquanto batucava involuntariamente com a caneta na superfície da mesa, os olhos grudados no pequeno relógio acima do quadro eletrônico que agora ilustrava uma simétrica célula diploide.

"Falta pouco."

Suas coisas estavam guardadas de antemão dentro de sua bolsa e, pela primeira vez desde que entrara naquela escola, seria a primeira a sair pela porta. Aguardaria a saída do garoto na entrada do prédio. Precisava ser rápida, não se arriscaria a cometer o erro de deixá-lo ir embora antes dela. Suas mãos suavam e o coração pulava dentro do peito na ansiedade que crescia a cada novo minuto que passava no relógio. Ergueu as sobrancelhas quando finalmente o aparelho apitou e escutou com impaciência as observações finais do professor Francis:

– Então, caros alunos, atualizem seus conhecimentos sobre esse assunto e amanhã concluiremos nossa meta para o semestre. Haverá uma pequena prévia sobre os testes finais e daí poderemos seguir com introdução à genética – falou ele numa voz pesada e hipnótica. – Estão dispensados.

Foi como uma sentença de liberdade para Leina. Ela suspirou aliviada e rapidamente recolheu suas coisas, saindo quase correndo da sala de aula. Nem reparou nos olhares de curiosidade de seus colegas ao vê-la deixar sua mesa tão afobada e com uma expressão tão concentrada.

Chegando ao corredor, já se encontrava no meio da massa de alunos dos outros primeiros anos que também deixavam as salas naquele horário. Por precaução tentou identificar naqueles rostos alguém que lembrasse o pequeno garoto magrelo, mas no fundo sabia que haveria de demorar um pouco antes de vê-lo deixar a sala de detenção. Seguiu a multidão de crianças até o exterior e lá sentou num banco junto à cerca que rodeava a escola. Ficava num pequeno jardim perpendicular à porta de entrada. Era um ponto excelente, pois poderia ver quem entrava e saía tanto da porta de entrada quanto da dos fundos.

Sorriu com a própria ousadia e deixou o tempo passar.

Acompanhou a saída dos alunos menos apressados, que sempre demoravam em fofocas no lado de fora por muito tempo. Por ser sempre uma das últimas a sair, era muito comum Leina se deparar com eles cochichando entre si logo antes de escurecer. Viu também, pela primeira vez, o exato momento em que a cúpula entrava no modo noturno. Iniciando dos cumes que ladeavam o topo dos prédios mais altos, as pequenas células que compunham o sistema da cúpula se transformaram uma após a outra, criando um efeito parecido com o de uma cascata de escuridão que de repente cobria a cidade por inteiro. Então, viu os estudantes dos anos mais avançados e os últimos alunos que ficavam para revisar uma ou outra coisa da matéria deixarem a escola. Por fim, os seguranças e zeladores, últimos habitantes do prédio, saíram rumo aos seus lares depois de um longo dia de trabalho. O segurança que a informara sobre o stipfan também passou bem diante dela, sem reparar em sua pequena figura sentada ao lado.

Ninguém reparou.

Leina sentiu um ligeiro calafrio lhe perpassar a espinha ao ver um zelador fechar a grande porta da entrada e ligar o sistema de alarme. A noite avançara demais, havia algo errado. Nunca havia demorado tanto para voltar pra casa, logo Merrik haveria de ficar preocupado. E ainda nenhum sinal do stipfan.

Leina se levantou de seu banco e andou ao redor das paredes da escola até a porta dos fundos. Emitiu um fraco gemido de frustração ao ver que a porta também estava trancada.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora