PARTE 2 / CAPÍTULO 8: A JAULA DE ION

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- Um mercenário? – indagou Petru, com um visível brilho no olhar – Estamos falando da mesma pessoa? Aquele que estava com o maricas emplumado, o cara de dois metros e meio com a espada do tamanho do teu braço e a personalidade de uma noz seca? Acha mesmo que ele seja confiável?

Ion Anuiu, satisfeito. O humor na casa estava diferente naquele dia. Comentários sarcásticos à parte, o pesar havia desaparecido do semblante do irmão mais velho. Petru naquele momento agarrava-se a qualquer esperança que se pusesse à vista e, após ouvir em detalhes o relato de Ion sobre o que se passara no estábulo no dia em que chegaram ao vilarejo, não poderia estar mais esperançoso.

- Barna é o nome dele. Não é a ponte mais firme que já se teve notícia, mas é a nossa única opção. Podemos usá-lo para negociar nossa passagem pra abadia.

- E como planeja fazer isso? Como vai localizá-lo?

- Eu nunca o havia visto por aqui antes, é provável que seja de alguma companhia itinerante que se mudou enquanto estávamos fora. E um comandante, talvez mais importante – considerou Ion. - Aquele figurão que ele escoltava, é óbvio que devia ser algum primo distante ou um tipo de agregado da corte, nunca aceitaria alguém menos proeminente pra andar consigo. É um milagre que tenha aceitado um mercenário em primeiro lugar, talvez não houvesse cavaleiros disponíveis para destacarem a ele.

Petru ergueu as sobrancelhas, então permitiu-se sorrir. Os dentes amarelados eram raramente mostrados em seu rosto duro. Os dois sentavam-se no cômodo principal de sua casa, constituído pela mesa de pedra, coberta pelos resquícios de pão e cordeiro da festa de alguns dias atrás e rodeada por rústicas cadeiras de madeira e palha; uma pequena tina lodosa e parcialmente cheia de água, onde eram lavados as mãos e o rosto; algumas ferramentas para reparos simples, como martelos e arame, jogadas a um canto e um pequeno forno vazio e encardido de carvão. O único cômodo sobressalente continha as camas de feno encimadas por algumas camadas de pano velho que os irmãos usavam pra descansar.

- Comandante, companhia nova... – o primogênito limpou o suor da testa com as mãos, tirando os cabelos da frente de seus olhos cansados. – Sim, podemos começar daí. Vai nos custar alguns meses a mais antes de cobrirmos todo o prejuízo, mas é melhor do que nada. Impressionante isso de seduzir um não-juramentado, um feito considerável. Como pôde, quando mal é capaz de amarrar os próprios cadarços? Não foi graças à boa aparência, tenho certeza.

Ion abriu um largo sorriso de triunfo.

- Quem precisa de boa aparência quando se tem sagacidade, charme e uma pitada de vontade? Está na hora de admitir que você não vive mais sem o caçula, caro irmão.

- Uma viagem até o burgo e descobrimos o que precisamos saber sobre a nova companhia – falou Petru, pensando alto. – Seria bom preparar a montaria logo e sairmos ao nascer do sol, assim teremos tempo suficiente pra investigar à tarde.

- Petru?

- Hm?

- Não acha estranho? – começou Ion, puxando da cintura a lâmina que Henri lhe dera e enfiando-a entre as unhas. – Assim, sem mais nem menos, tão de repente quanto chuva de verão, os cavaleiros da corte não bastam mais. Por que Dimitrier se importaria em gastar seus preciosos recursos com a Confraria, quando os cavaleiros juramentados já faziam o serviço completo?

- Pelo mesmo motivo que corremos atrás de ouro quando já temos o suficiente pra comer e beber. Dimitrier quer mais do que tem, ele quer assegurar o castelo e a bagagem que vem junto com ele, aumentar seu poder, amedrontar os vizinhos.

- Acho que nós devíamos sair daqui o quanto antes – afirmou Ion, pesadamente. – Não sente? A tensão no ar? Olha lá pra fora, lembra de alguma vez as ruas estarem assim tão vazias?

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora