Neve Maculada

APÊNDICE 2: SOBRE MULTIVERSOS

O princípio do universo e a Realidade-Matriz

Quase nada é mais incerto para a compreensão do que o conceito de Realidade. Para que as pessoas compreendam os fatos que culminaram no surgimento do nosso universo, que por sua vez resultou na criação do nosso mundo, é necessário escavar aquém dos primórdios, antes mesmo de existir o "antes" e o "depois".

A Realidade, ao contrário do que muitos pensam, não surgiu com o início do universo, pois esta não necessita da matéria para existir. O que foi criado juntamente com o universo e o espaço-tempo foi a realidade pura e simples, o consenso geral do ver para crer; ora, se algo está aqui e não podemos ver, tocar, sentir ou medir de qualquer maneira – no sentido estritamente científico da análise, é de saber comum que este algo não existe. Pois tal pensamento está equivocado, a Realidade não leva em conta fatores banais como a existência física de um objeto. Ela agrega tudo o que existe, existiu ou poderia existir em qualquer universo. Mesmo o mero pensamento de que tal objeto ou ideia poderia vir a existir ou tivesse existido em algum ponto no tempo é o suficiente para exemplificar: devido ao número extraordinariamente numeroso de possibilidades no espaço e tempo, é bem provável que tal objeto ou ideia tenha de fato existido em algum ponto no passado ou no futuro num universo paralelo ao nosso.

Estrelas, sistemas planetários, nebulosas e galáxias, junto de tudo o que os compõem, fazem parte da realidade. As realidades e seus universos fazem parte da Realidade, a Matriz, o conjunto de tudo o que conhecemos e de tudo o que nunca viremos a conhecer. E para nesse sentido diferirmos os dois conceitos distintos, mas semelhantes em título, chamaremos daqui por diante o segundo, mais abrangente, de Realidade-Matriz.

A definição e compreensão desse sistema integrado à Realidade-Matriz é de difícil discernimento justamente porque estamos presos na pequena e frágil realidade que conhecemos. Por mais que desenvolvamos tecnologias capazes de nos mandar mais e mais longe, até os confins do espaço sideral, nunca seremos capazes de deixar este universo. E até mesmo o cosmos, que por tamanha extensão consideramos sem fim, é uma caixinha de areia quando comparado à coleção de demais universos também sem fim empacotados na Realidade-Matriz.

Entre as centenas de quatrilhões de universos e seus igualmente numerosos astros e galáxias, está Manash, o nosso humilde planeta. E em cada uma das milhares de cidades do mundo estão distribuídas milhares de milhões de pessoas. Cada uma delas ocupada demais para se dar conta de que, mesmo a mais insignificante ação pode modificar de tal forma o mundo que seriam necessários inúmeros desmembramentos do nosso universo para agregar todas as variações de escolhas e possibilidades. Como, por exemplo, um pequeno copo de vidro sobre uma mesa. Não é difícil imaginar que alguém distraído possa derrubar tal copo no chão, então quais as possibilidades que podem divergir do fato original? A pessoa pode notar o desequilíbrio do copo no último instante e salvá-lo da queda; mesmo caindo, a fortuna pode impedir que o copo se espatife ao atingir o solo; ou mesmo que se quebre, existem as infinitas variações de posições dos estilhaços que se espalham pelo chão. E cada uma dessas possibilidades afetaria o dia de tal pessoa de uma forma mínima, porém específica. E de cada uma dessas possibilidades podem se desmembrar inúmeras outras que se desmembram em outras e mais outras, criando uma cadeia que resulta no nascimento de outras realidades. E é nisto que se baseia a existência e crescimento da Realidade-Matriz.

O simples ato de apertar um botão pode mandar uma cidade pelos ares. Em algumas realidades esse botão foi apertado, em outras não. Em várias o botão sequer existiu. Depende apenas da ordem em que essas realidades se desprendem da realidade original. À medida que as coisas acontecem na nossa própria realidade, outras vão brotando a partir dela, originando novos universos, milhões de vezes por segundo.