PARTE 2 / CAPÍTULO 23: UMA CLAREIRA AO LUAR

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Era uma madrugada fria e enevoada. Servos carregavam duas suntuosas carruagens com provisões enquanto Ion bocejava junto à parede externa de Altorrio. Não conseguira piscar o olho a noite inteira, a expectativa para a viagem havia consumido seus pensamentos enquanto revirava na cama de penas que haviam lhe fornecido. Os travesseiros eram macios demais, os lençóis tinham um estranho odor amendoado que lhe deram náuseas e o banquete se estendera noite adentro, as palmas e risadas dos nobres eram plenamente audíveis de seu quarto e todos pareceram teimosamente dispostos a mantê-lo acordado.

Apesar disso, encontrava-se ansioso para seguir caminho. Aquela viagem seria especial, não um itinerário rotineiro, mas uma missão diplomática de pleno calibre. A caravana seria composta por dois carros de três cavalos, mais uma escolta militar de doze cavaleiros, liderada pelo castelão de Altorrio, Sir Friedrich. O homem trajava uma reluzente armadura pesada e distribuía ordens do topo de seu corcel castanho, enquanto um de seus companheiros preparava a empunhadura de um magnífico estandarte de três metros. A fortaleza e a corrente de margaridas dos Dragoi flamulava ao vento gelado, anunciando a partida iminente.

Friedrich aproximou-se de Ion pela primeira vez, com a testa franzida e o elmo de plumas embaixo do braço:

– Uma nova apresentação se faz necessária – resmungou, cumprimentando Ion com um aceno de cabeça. – Sou Friedrich, castelão de Altorrio e chefe da nossa delegação.

– Eu sei quem você é – respondeu Ion, soprando as mãos dormentes.

– Não posso dizer o mesmo, você escondeu sua identidade de mim nos portões da cidadela.

– Claro que escondi. Se dissesse que era um mercador, você teria me chutado de volta pra Rosufort.

– Sob o meu comando, não temos segredos.

Ion encarou os olhos cerrados do cavaleiro com um sorriso no rosto e fez uma reverência desnecessariamente floreada, estendendo às mãos ao peito e ao céu.

– Apresento-lhe Ion Martinescu. Fazendeiro, viajante e patife profissional. Sua nobre companhia será de grande estima nessa estrada maçante, caro sir.

– Você zomba de mim.

– Só o suficiente para manter a intimidade, não me leve a mal.

O rosto de Friedrich se tornou vermelho. Ele rangeu os dentes e deu a volta com o cavalo de volta a seu posto.

– Ainda nem deixamos o jardim e você já está hostilizando nosso castelão?

Katia descia a curta escadaria do portão de entrada de Altorrio, acompanhada de suas criadas. Ela trajava um vestido azul com bordados em branco, de aparência mais simples daquele que vestia na noite anterior, mas, mesmo assim, provavelmente mais caro do que qualquer outra vestimenta que Ion já tivesse posto os olhos. Ela trazia um sorriso no rosto e estendeu a mão para que Ion a ajudasse a descer os últimos degraus.

– Foi ele quem começou, senhora. Você sabe como são esses homens e suas espadas, dê-lhes algo comprido e eles começam a querer enfiá-lo em todo mundo –Katia gargalhou. Mesmo suas criadas levaram a mão à boca, divertindo-se com o comentário. Assim como sua dama, elas pareciam acostumadas com a falta de decoro. – Como passou a noite?

– Horrivelmente, minha cabeça badala como uma sineta. E você?

– Não tive mais sorte.

– Foi o óleo, não foi? É pavoroso. Já alertei o camareiro, mas ele teima em besuntar as roupas de cama. Acha que dá um aroma de requinte – ela fez uma careta de nojo. – Não se preocupe, Laura e Mihaela já me trouxeram lençóis apropriados para uso humano. Assim que partirmos, você poderá dormir, eu poderei sair desse vestido e toda essa farsa ficará para trás.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora