PARTE 3 / CAPÍTULO 4: UM PACTO A DOIS

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A lua brilhava em seu ponto mais alto quando Mihai acordou com um solavanco, exasperado e suando frio. Olhou ao redor e reconheceu as paredes de pedra crua da enfermaria, agora cobertas por uma camada negra de fuligem. Respirou fundo algumas vezes, tentando organizar os próprios pensamentos. Por algum motivo, era difícil se recordar do que havia acontecido logo antes de perder a consciência.

Lembrava de lutar por sua vida, de Johanel, de conseguir fugir dos estábulos em chamas, de se arrastar por horas a fio sob uma dor excruciante, e então...

"Carmine..." – pensou, sentindo o coração bater mais rápido. – "Céus, o que foi que fiz?"

Alguém havia retirado seus trajes da ordem e o vestido com uma bata branca de tecido grosso, simples e quente. Tentou então sentar na cama e notou que fazer isso havia sido bem mais fácil do que imaginava. Sentiu uma pontada ao tocar o próprio lado, mas viu apenas um ligeiro hematoma quando antes parecia que alguém havia arrancado uma de suas costelas à mão. Seu braço tinha sido cuidadosamente enfaixado e, embora ainda latejasse, parecia ter mantido todos os movimentos. Mover o dedo do meio forçava um músculo que ainda não havia curado totalmente, mas o osso parecia estar em ordem, ou, pelo menos, de volta ao seu corpo.

"Isso é assombroso! Se não fosse a doença, o avanço que isso traria à medicina! Preciso lembrar Demetério de me auxiliar no estudo de..."

Mas então percebeu que não havia qualquer chance de permanecer vivo por tempo o suficiente para ajudar o velho enfermeiro-mor em suas pesquisas. A partir do momento em que deixara Carmine curá-lo, passara a viver sob tempo emprestado. Ao pensar nisso, Mihai se sentiu pesado por dentro. Decidiu por fim levantar-se da cama e ocupar a mente com pensamentos construtivos, explorar o que havia sobrado da abadia, avaliar os danos estruturais e as perdas humanas.

Ao abrir a porta e caminhar pelos corredores, viu que os danos na seção de alojamentos, enfermaria e capela haviam sido mínimos. O fogo se restringira aos estábulos, cozinha e cômodos próximos, poupando o átrio e todo o lado ocidental do templo. Visto que alguns monges e criadas ainda estavam à vista, tentando fingir algum tipo de normalidade mesmo naquela situação, os mercenários deviam ter conseguido evitar que a batalhe chegasse até ali.

"Esses homens merecem um salário melhor do que o que têm."

Ouviu uma movimentação no exterior, vozes e ruídos de cavalos, então Mihai pediu a uma das criadas que lhe procurasse um casaco para que pudesse ver o que se passava. Em posse de uma pesada capa de pele, foi aos portões do templo e viu que uma neve fina caía sobre Anghila, ajudando a esconder as cinzas e a morte que há tão pouco havia assolado o vilarejo. Flocos de gelo dançavam ao vento noturno, Mihai estendeu a mão e viu um deles derreter sob o calor de sua pele.

– Reverendíssimo! O senhor não deveria estar de cama?

A voz partira de Rafaella, de dentro do templo. Ela lhe tocou o ombro, esperando guiá-lo de volta ao leito, e ele respondeu com um toque gentil em seus dedos, um sinal de apreciação, mas meneou a cabeça.

– Estou bem, não te preocupes. Alguma novidade enquanto estive incapacitado?

– Sim, bem... – Rafaella torceu uma flanela que trazia consigo, claramente nervosa. – Ion Martinescu retornou.

– Ion! Oh, isso é ótimo, fiquei receoso por sua viagem ter tomado tanto tempo. Devíamos organizar um jantar, é o mínimo que eu...

– Senhor, ele veio acompanhado de... Katia Irgalmas.

Mihai encarou Rafaella e sua expressão resoluta, piscou várias vezes, então pôs-se a fitar as paredes empoeiradas da abadia, para então voltar seus olhos à criada, esperando que algo em suas feições tivesse mudado. Não tinha.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora