PARTE 3 / CAPÍTULO 2: REGRESSO

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Quarenta e duas pessoas haviam sobrevivido à destruição de Anghila: oito guerreiros da Confraria, dezesseis monges e funcionários da abadia, catorze moradores que haviam conseguido escapar e quatro aldeões foragidos de um vilarejo ao sul. Hans e Gon Gigante haviam morrido durante a noite, sufocados pela fumaça de um incêndio que iniciara nos estábulos, enquanto Mihai e Johanel haviam desaparecido durante a batalha.

Carmine subiu com alguns de seus companheiros para resgatar os corpos de seus amigos e encontrou-os já envoltos em mortalhas, prontos para serem sepultados. Não haviam sido os únicos que tinham sucumbido dentro da abadia, ao lado deles repousavam os corpos de três monges, que morreram tentando conter as chamas, e duas criadas, que também haviam sufocado ao se trancarem em seus quartos.

– Do jeito que estavam, teríamos de matá-los cedo ou tarde – falou Barnabás, um dos poucos mercenários sobreviventes do cerco ao templo. Ele era um homem forte e orgulhoso de sua densa e vistosa barba e, por algum motivo, trazia ao pescoço um colar repleto de orelhas sanguinolentas. – Pelo menos isso nos poupou de ter de viver com esse peso.

Após se certificar de que os corpos de Hans e Gon seriam bem tratados, Carmine foi aos estábulos, o lugar onde Mihai havia sido visto indo pela última vez e onde teria se iniciado o foco do incêndio que consumira parte dos aposentos no lado oriental da abadia e também a cozinha. A intensidade das chamas havia sido tamanha que reduzira as vigas a pó, derrubara o teto da construção e transformara os cavalos e mulas que lá estavam em estátuas negras e encolhidas.

Carmine tomou o cuidado de vasculhar os destroços e percebeu uma trilha que partia em direção ao bosque, larga, uniforme e relativamente profunda, como se algo tivesse sido arrastado por centenas de metros a fio, perdendo-se em direção ao horizonte. Pediu para que seus companheiros ficassem para proteger os sobreviventes e partiu sozinha, seguindo a trilha com o sol nascente à frente de si.

Havia andado quase um quilômetro quando se viu no final de seu percurso, uma figura em um traje negro e esfarrapado se estendia ao chão, com uma das mãos à frente. Inicialmente, Carmine imaginou ser apenas mais um cadáver, mas foi surpreendida ao ver a figura alcançar a terra à frente e erguer o peso de seu corpo, arrastando-se alguns centímetros adiante. Apressou o passo e o viu fazer isso novamente, e ainda uma terceira vez.

"Ele se arrastou até aqui? Com um braço só?"

– EI!

Ao ouvir sua voz, o vulto parou, mas ainda tinha o braço esquerdo à frente, com os dedos enfiados no solo congelado. Carmine correu até ele e o virou de costas. Ao ver o seu rosto, sentiu a garganta fechar.

– M-Mihai?

– Sim... Eu... finalmente te alcancei...

Mihai trajava as vestes cerimoniais de abade, agora parcialmente queimadas e rasgadas pelo atrito contra o chão. O fogo havia queimado seu tronco, deixando marcas vermelhas e cinzentas do ombro ao abdome, e seu braço direito estava fraturado perto do punho, onde o osso escapava da pele e se expunha sangrento ao frio do exterior. O rosto havia sido espancado a ponto de se tornar irreconhecível, repleto de feridas abertas e inchado como um melão. Os olhos do sacerdote eram duas bolas arroxeadas e ele provavelmente não podia ver o quão pálido o rosto de Carmine se tornara ao vê-lo daquela forma.

– Quem fez isso com você?

– Irgalmas... Andrei... Johanel... – resfolegou ele, erguendo a mão que ainda funcionava. – A vila... está em perigo... mercenários... Ibrahim...

Carmine tomou sua mão e a levou ao seu rosto, ela estava fria e repleta de bolhas.

– Não se preocupe. Acabou. A abadia está a salvo. Eu matarei esse homem, matarei todos eles. Você será vingado.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora