Editado: 21/2/2021 às 13h08
Derick me convidou para visitar mais uma daquelas comunidades e eu aceitei, dessa vez seria diferente, veria algumas das construções das "Casas da Rainha" pronta. Esse bairro ainda parecia pior que o outro, as mesmas crateras na rua, o mesmo cheiro ruim, mas a cena que vi na minha primeira Casa da Rainha foi acalentadora: Crianças brincavam sobre o gramado, as menores brincavam dentro da casinha de plástico, os adolescentes jogam bola nos fundos e aquele barulho de bagunça me deixou tão feliz.
Eu sabia exatamente o que era aquele fogo correndo nas minhas veias, aquela não era uma mera satisfação, era o sentimento de quem sentia que podia fazer tudo com o poder de sua caneta. Se antes eu criava universos perfeitos no papel, agora eu poderia fazer o mundo ideal existir de verdade.
A mulher com tranças cinzentas se acomodou ao meu lado, sua aura quebrou minha conexão de poder, ela era pura negatividade. Encarou as crianças sem a mesma satisfação que a minha.
- Problema resolvido?
- Como? - perguntei voltando meu rosto para ela em confusão.
- Deu um teto decente para as crianças, comida... E acabou? Já vai voltar para a sua vida perfeita?
Sustentei seu olhar tentando desvendá-lo, ela se parecia com uma mulher completamente diferente da primeira vez que a vi, tão devota de mim e agora parece querer me confrontar com algo que não sei do que se trata.
- Acho que me enganei com Vossa Majestade. - disse ela - A senhora nos olha como se fôssemos caridade. Por um momento... - hesitou - Pensei que tivesse consciência de quem é.
- Sei exatamente quem sou - afirmou.
- É um deles? - indagou - Eles te tratam igual as moças da sua classe? Aquelas menininhas que só pensam em se arrumar para conseguir um casamento com um branco que vai traí-las com alguma neguinha que trabalha na casa deles. - debochou com ar de riso - Será que eles te vêem como uma delas ou como obra de caridade da família que te acolheu? Sempre a coitadinha... - murmurou me analisando de cima a baixo - Sempre a menos bonita, a menos inteligente...
Pelo meu silêncio, percebeu que conseguiu uma brecha, então prosseguiu.
- Não tem muitos amigos, não é rainha? Não é confiável para eles. Em algum momento, eles não te pareceram... - estreitou os olhos - Sentir medo de Vossa Majestade? Como se a rainha fosse algo ameaçador apenas por ser... - apontou para o meu braço se referindo à minha cor - E, toda vez que fala um pouco mais alto, soa tão agressivo para as pessoas, não? E, sempre que se impõe, é tão insolente, como se tudo o que tivesse não fosse mérito seu. É como se sempre merecesse menos do que tem - ela finalizou com um levantar de sobrancelha indicando que estava mesmo certa.
- Não sabe nada sobre mim, Lady, mantenha seus comentários para você - repreendi sem abaixar a cabeça.
A casa dos meus pais me pareceu relaxante depois de um dia tão cansativo, tirei os sapatos e caminhei descalça sobre o gramado bem lentamente, apenas sentindo a grama fazer cócegas nos meus pés. Sentei-me aos pés da árvore de roupa social mesmo, deitei minhas costas no tronco da minha amendoeira e fui presenteada com algumas folhas caindo sobre mim como se ela reconhecesse minha presença.
- Oi, Amendoboba - cumprimentei.
Segurei uma das folhas e fiquei a encarando como se fosse encontrar respostas. Aquele lugar era tão meu, era como se fosse parte de mim. Não era a casa ou a árvore, era o contexto, a família, era minha mãe aprendendo a fazer decoração com material reciclável, era o barulho do meu pai digitando no computador perto da hora do jantar, eram as brigas com minhas irmãs. Todos aqueles fatores eram tão determinantes para a minha origem que nunca me importei com o que veio antes disso, em como eu vim parar neste mundo.
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Lucillie
RomanceUm reino em crise, um rei com um passado persistente, um príncipe sem mãe, uma Lucillie entre a cruz e a espada. Um casamento com fins políticos que pode se misturar com sentimentos, uma filha adotada que não pode fugir das suas origens para sempre...