Capítulo 14 - Recordar Para Sempre

408 51 3
                                    

Notas iniciais da autora:

Este capítulo é curto e não contém plena exploração da escrita propositalmente. Vocês entenderão o motivo ao ler.



O Abba disse que eles viriam hoje de novo.

Eu perguntei curiosa... De novo? Eles já não vieram ontem?

Mas Abba só disse, um pouco irritado, pra não chamar ele de Abba porque não gostava de ser chamado assim.

Era divertido. Eu estava conhecendo tantas pessoas novas por causa do Abba. Eu não me sentia triste pela Ima ter ido embora. Ela disse que voltaria, mas já faz bastante tempo que saiu.

Tinha saudades. Eu amava a Ima. Ela tinha cheiro de flores e era muito linda.

Ima, desde quando eu era mais nova, me ensinava a falar hebraico, a desenhar e a pintar.

Ela dizia ser importante aprender a língua do nosso povo e que, quando eu tiver filhos, tenho que ensinar pra eles também.

Ima dizia que eu desenhava muito bem. Prometeu comprar telas pra mim poder pintar, mas como ainda não voltou, eu pinto no meu caderno mesmo.

Mas ainda não sou tão boa como Ima, mas treino todos os dias pra, quando ela voltar, mostrar o quanto melhorei!

Ah, lembra que eu disse que os amigos do Abba viriam? E eles vieram. Sempre me elogiavam e faziam carinho. Abba dizia que vinham para brincar comigo, então eu brincava com eles. Era muito divertido!

Mas muitos amigos do Abba começaram a querer brincar e eu não queria mais brincar com eles. Não desgrudavam de mim, então eu não conseguia brincar direito. Era chato.

Eu não queria mais brincar!

O Abba brigava comigo quando eu não queria brincar. Eu apanhava às vezes também. Eu chorava muito.

Por que não posso brincar só na hora que eu quiser!?

Mas teve um dia que Abba disse querer brincar comigo. Eu fiquei tão feliz! O Abba nunca brincou comigo!

Mas não gostei de brincar com o Abba na primeira vez. Doía muito brincar com o Abba. Mas prometeu me ensinar a brincar com ele.

Foi muito legal. O Abba sempre me elogiava. Eu melhorava sempre quando brincávamos de novo!

E não doía mais brincar com o Abba!

Mas, um dia, eu disse pro Abba que estava na hora de começar a estudar, assim eu poderia brincar com meus novos amigos. Mas o Abba ficou muito furioso comigo naquele dia.

Disse que eu nunca iria brincar com mais ninguém. E... me trancou no porão da nossa casa. Ele fazia isso para me castigar. Eu chorei muito.

Por que, Abba? Por que não posso brincar com outras pessoas?

Por que só posso brincar com você?

Eu não sabia quanto tempo fiquei lá. O chão do porão era muito sujo e tinha bichos rastejando por lá. Minha barriga roncava muito, eu cheirava mal, sentia frio.

Eu chorava muito, de verdade. Meus olhos ardiam. Era tudo muito ruim.

Lembro que comecei a gritar.

Por favor, Abba!

Me tira daqui!

Me desculpa!

E então ele veio. O Abba veio. Veio e me abraçou. Disse que se eu ficasse melhor que ele na brincadeira, deixaria eu brincar com as outras pessoas.

Eu fiquei feliz. Abba tinha me perdoado!

E então eu aprendi a brincar.

Mas passou muito tempo. E eu tinha aprendido a brincar muito bem.

Então por que Abba não me deixou brincar com outras pessoas como prometeu?



Levantei de súbito, ofegante, e me sentei na cama. Sentia o meu corpo suado e pegajoso. Porém, eu já estava acostumada com isso.

Esfreguei o rosto com uma das mãos e respirei fundo. Kiara miava ao pé da cama. Depois, subiu e se aproximou. Eu a peguei, pousando-a em meu colo.

— Desculpe, querida. — pedi, mesmo que não me entendesse. Sempre acabava assustando Kiara com os meus pesadelos. Sentia-me mal por isso. Mas não era como se eu pudesse controlá-los.

Eu odiava aquele homem. Odiava com todas as forças da minha alma.

Se ainda estivesse vivo, eu provavelmente o mataria. Sim, mataria. E sem remorso algum. Alguém como ele nem de ser humano deveria ser chamado.

Mas não, matar não. Fazer tudo o que me fez passar sim. Fazê-lo sofrer. Fazê-lo sentir a mesma angustia que senti. A mesma vontade de ver o sol, a luz, o céu como senti.

Eu me perguntava sempre. Como pôde?

Como pôde me ensinar aquelas coisas?

Como pôde fazer tudo aquilo com a própria filha?

Como ele pôde?

OcultaOnde histórias criam vida. Descubra agora