Capítulo 21 - Minha Vez

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Mas, novamente, recordei dele.

É aterrorizante quando estes pensamentos se afloram. Posso conseguir mantê-los longe por um tempo, mas sempre voltam.

São memórias que não se dissiparão de mim. Mas é um mal para Bethany se eu viver assombrada deste jeito. É ela quem paga o prejuízo sem ter nada a ver.

Fechei os olhos.

Preciso me distrair.

Preciso fazer coisas que não me lembrem dele.

Mas... nestas condições?

— Você tá bem? — perguntou Bethany, beijando o meu rosto. Eu não respondi, mas assenti com a cabeça. — Fale pra mim. Seu rosto tá estranho.

Isso. Falar. Era isso que eu precisava.

— Eu não gosto do meu cabelo. Ele é liso. — falei aleatoriamente. Bethany franziu o rosto e deu uma risada baixa.

— Por quê? — quis saber, me fitando com curiosidade.

— Não sei. Às vezes, sinto que não tenho cabelo. Ele é leve. Isso me incomoda. — murmurei. Era verdade. Algumas pessoas diziam que meu cabelo era lindo, o sonho de consumo de qualquer garota. Exceto a mim, claro.

— Hmm... E qual seria o seu tipo ideal de cabelo? — perguntou, pousando o rosto em cima do meu. Exalava um cheiro agradável. Vivia dizendo que eu tinha um cheiro bom, mas, com certeza, Bethany tinha algo que hipnotizava em si. Sinto-me uma abelha atrás de seu pólen.

— Algo como... o seu, por exemplo. Ele é cheio, ondulado. É lindo. — respondi, alisando suas madeixas claras.

— Você não sabe o quão trabalhoso é cuidar de um cabelo assim. — argumentou, rindo. — Mas eu gosto do seu cabelo. Gosto muito. — acrescentou, pegando uma mecha castanha, colocando na boca e mordendo-a em seguida. Eu franzi o cenho e ela riu novamente. Eu não entendia por que ria de certas coisas. Mas gostava do som de sua risada.

— Talvez sim. Talvez não. Mas ainda te acho linda. — murmurei, perdendo-me em seus olhos um pouco. Eu não sei. O jeito que me olhava naquele instante convidava um lado meu. Um lado o qual eu não sentia há tempos.

— Isso não tem a ver com o que tá falando, Delilah. — Riu ela, dando-me um selinho.

— Mais uma vez, me chame assim. — pedi. Ela franziu o cenho.

— Delilah? — pronunciou de novo, sem entender. Eu assenti e fixei os olhos nela.

— Mais uma vez.

— De-li-lah. — repetiu em pausas. Eu respirei fundo.

Eu podia visualizar, através de seus dentes — que, há pouco tempo, percebi seus incisivos levemente inclinados para o lado esquerdo, sendo um charme adicional dela, não negarei —, sua língua tocar o céu da boca ao pronunciar "dê" e "lá". É verdade que, de início, Bethany tinha um pouco de dificuldade em dizê-lo. Era uma palavra estrangeira, então "personalizava" ao nosso idioma. Adverti algumas vezes sobre isso, pois é uma parte do meu nome. Ou fale direito ou não fale, simples. Mas ela aprendeu, no fim das contas.

E, admito, Bethany não era exceção, eu corrigia as pessoas sem ao menos perceber. Mas, de qualquer forma, esta é uma exceção. Valeu muito a pena tê-la corrigido.

Soava sensual quando dizia. Soava tentador. Convidativo. Muito convidativo.

Sua voz sempre foi agradável de ouvir, aliás. Acho que era por isso que eu não me importava tanto com seu falatório constante no princípio.

O timbre era delicado, mas nem muito fino, nem muito bruto. Era gentil. Aconchegava, muito mais quando sussurrava. Parecia um ser personificado falando comigo. O que era um tanto intrigante, afinal, eu nunca fui crente. Também era excêntrico, pois ela conseguia me proporcionar tais sensações, deixava-me complexada e sequer imaginava isso.

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