— Não sei se compreenderá como me sinto, mas contarei. — começou Mia, suspirando longamente. — Não me interrompa ou opine, apenas ouça, está bem? Senão talvez eu não consiga falar até o fim.
— Delilah... — murmurei, mas não sabia o que dizer. Esperei tanto por esse momento, e agora... sinto um enorme receio do que possa ser.
Conte antes que eu mude de ideia, Mia.
— Há duas pessoas fixas nesta história. Não me agrada nenhum pouco o parentesco que temos. Mas não faz diferença.
"Minha mãe, Sarah, era a mulher mais maravilhosa do mundo para uma criança que nem ao menos sabia andar sem tropeçar nos próprios pés.
Ela seguia a crença judaica e era uma fanática. Ensinou-me bastante sobre a religião, seus rituais, símbolos, ainda que eu não compreendesse pela mentalidade infantil da época. Também nunca tive interesse em me aprofundar mesmo nos dias atuais.
Sarah também me ensinou o idioma hebraico. Eu aprendi com facilidade e praticávamos bastante. Inclusive, meus professores recomendaram que eu me especializasse nele. Assim fiz, mesmo sem ambição. Não era como se eu tivesse algum passatempo. Até hoje não sei onde posso utilizar este "talento". Porém, não é um detalhe relevante.
Meu pai chamava-se Evan. Era atencioso, amável. Dava-me tudo o que eu queria. Mas ele e Sarah tinham personalidades bastante questionáveis.
Houve um tempo em que não diziam uma sílaba sequer ao outro. Eu nunca soube o porquê desta tensão familiar.
Então, Sarah foi embora de repente. Lembro que, enquanto arrumava as malas, dizia-me que tinha uma missão a cumprir e que voltaria logo. Não foi o que aconteceu.
Neste meio tempo, Evan se tornou frio e começou a me tratar como uma estranha. E, de certa forma, eu compreendia sua revolta. Afinal, sua mulher foi embora sem mais nem menos, deixando-o com uma filha para criar. Não era surpreendente que começasse a descontar sua frustação em mim.
Ele convidava amigos para vir à nossa casa de vez em quando. Eu não ligava, até gostava. Podiam ser estranhos, mas eram conhecidos de meu pai. E uma criança confia em seu pai, não é mesmo?
Diziam querer brincar comigo e eu, inocente, aceitava de bom grado. Não ia à escola, não conhecia meus vizinhos, não tinha parentes próximos, nem saia de casa... Minha companhia era eles e meu pai.
Eles me alisavam, acariciavam, tiravam pequenas "cascas". Todavia, eu só soube que isso era errado anos depois. Como eu poderia saber na época? Meu pai via e não dizia nada.
E esses encontros perpetuaram por um bom tempo. Sequer lembro o quanto.
Até que, certa vez, perguntei algo a Evan. E foi a pior coisa que fiz em minha vida.
Questionei se eu podia "brincar" com outras pessoas. Com isso, ele enlouqueceu.
Trancou-me no porão de casa. Pareceu uma eternidade. Sem comida, água, luz... Absolutamente nada. Imagine quão aterrorizante foi para uma criança.
E eu sempre tive uma imaginação fértil. Imaginava muitas coisas no escuro. Saindo, existindo, rastejando, me observando.
Mas, com o tempo, me acostumei. Acostumei com o silêncio e, consequentemente, com a solidão, até com a escuridão. Elas me foram boas amigas. Acolheram-me sem questionamentos. Tanto que fizeram isso sem meu consentimento.
Quando Evan voltou, pediu desculpas. Eu estava só o pó, mas tive esperanças de que teria o meu pai de volta, aquele amor de volta. E tive. Mas não como imaginei.
Foi onde tudo começou realmente. A realidade que me trouxe tantas consequências para lidar. Foi além das meras visitas anteriores.
Ele se aproveitou. Abusou. Obrigou-me a aprender coisas obscenas, libidinosas. Ensinava-me sua filosofia de conexão entre ódio e luxuria. Pressionava-me a "controlar" este ideal com plenitude, me aperfeiçoar. E que só assim, mais tarde, me deixaria livre.
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Oculta
RomanceBethany tem uma ótima vida superficialmente. Mas, como qualquer pessoa, tem pequenas partes ocultadas em seu interior. Em um momento oportuno de ousadia, ela foge de tudo que a aborrece, tenta seguir com uma nova vida e, claro, sem preparo algum, ac...