Capítulo 28 - Regresso

392 37 11
                                    

Ah, quem vai matar alguém sou eu.

Esqueci o quanto a Mia podia ser mal-educada. Ela não se ligou que vim por causa dela? E ainda me trata desse jeito? Olha, se eu soubesse onde era esse tal desfile, faria uma bela surpresinha, só para que deixasse de ser besta.

E, meu Jesus amado, estou morrendo de sono. Quase dormi no banco do táxi. O motorista teve que gritar para avisar que havia chegado ao destino — o qual Mia informou por mensagem, como prometido. Pelo menos isso, né. Quero ver como vai se redimir pelo jeito que me tratou por telefone.

OK, admito que ela tenha razão para agir assim, pois sabe que a minha mãe não aprovará caso descubra, e sei que ela mesma não dedurará, já que, no fim, pode virar a cúmplice da história. Bom, talvez a situação ficasse equilibrada se eu admitisse logo que Mia era a minha namorada... Ao menos acho que amenizaria alguma coisa. Eu acho.

Isso é uma droga. Não importa, eu tenho medo. Tenho medo de que aconteça comigo o que acontece com tantas pessoas por aí ao se assumirem — e olha que estamos no século vinte e um, deveria ser aceitável. Mas tenho medo do preconceito. E sei que é ridículo. Mas é o que sinto.

De onde vou tirar coragem para finalmente dizer?

Ouvi Hotline Bling do rapper Drake tocar pela lanchonete, próxima ao prédio em que Mia disse estar hospedada, e por um momento, mais uma vez, tentei dispersar os meus pensamentos. Havia acabado de comer um grande e delicioso lanche francês com uma bebida que eu não sabia o nome (suco, talvez), também maravilhosa. Foi um pouco difícil de pedir, é claro. O atendente não entendia muito bem o meu inglês, mas utilizei a malandragem de apenas apontar ao cardápio o que eu queria — e não quer dizer que eu soubesse o que estava pedindo. Fui mais pela foto da comida, mas não me decepcionei. Só não sei o quanto foi que paguei por essa refeição, afinal.

Agora, ao retomar minha atenção, recordei que, na verdade, Hotline Bling era o toque do meu celular ao receber ligações. Então sai fuçando na bolsa às pressas.

É, a letra da música resumia bem o que pensei ao fitar "Deusa Delilah" no identificador.

— Onde você está? — questionou, sem ao menos me esperar dizer alguma coisa.

— Numa lanchonete. Por quê? Tô pensando em dizer pra uma das garçonetes que fugi de casa. — murmurei, afastando o celular do rosto para rir. Quem sabe eu não tenha um romance do tipo em versão francesa?

Não brinque comigo, Bethany. — rosnou Mia. Havia pequenos múrmuros ao fundo da chamada. Mas não era a barulheira de quando liguei mais cedo. Será que já estava no apartamento?

— Você já chegou?

Sim, mas você não poderá vir ainda. — respondeu com o tom de voz baixo.

— Por quê? Minha mãe tá aí? — deduzi, engolindo em seco. Olhei para o relógio de parede em um canto da lanchonete. Já eram mais de onze horas da noite.

Olhei ao redor. Havia uma boa quantidade de pessoas presentes no local, mas eu não ficaria ali a noite inteira. Eu estava exausta.

— Mia, se eu esperar, vou ficar na rua. Vo me hospedar no mesmo prédio, pode ser? Depois nos falamos...

Não, espere mais um pouco. — pediu, ainda em tom baixo.

— Não dá, depois e-

Espera, merda! — esbravejou, me fazendo arregalar os olhos, surpresa. Então, ouvi um barulho alto ao fundo da linha, como um baque.

— Mia? — chamei, franzindo o cenho. Ouvia sua voz distante, mas não compreendi o que falava.

Wallace irá te buscar. Espere, está bem?

OcultaOnde histórias criam vida. Descubra agora