Capítulo 29 - Estranho

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— Por que demora tanto pra atender a porta, Delilah? — bufou Denise, adentrando o apartamento. Usava uma roupa tão informal que pisquei duas vezes para constatar que era a mesma de verdade.

Era muito estranha sem maquiagem também. Seu rosto ficava pequeno, a pele mais corada, até algumas sardas se faziam presentes. Eu definitivamente via Bethany como se tivesse avançado alguns anos à frente. E se ressalvar o que acabei de fazer há minutos... Esta aparência incomodou uma parte de meu estômago.

Seria culpa?

— Eu estava no banheiro. Wallace está dormindo. — menti.

Tive que me vestir e levar todas as coisas de Bethany ao quarto, além de apagar os possíveis vestígios de sua presença para evitar complicações; como, por exemplo, a mesa da cozinha. Varri e deixei os restos maiores em um canto. Não sei o que direi a Wallace de manhã, mas já ouço as piadas que não perderá a oportunidade de proferir.

Quando voltei ao quarto para conferir se Bethany estava bem ou se precisava de algo, vi que dormia profundamente, mas naquela famosa "posição fetal", o que me incomodou de certa maneira. Visto isso, relaxei sua tensa posição e ajustei as cobertas. Gostaria muito de estar enrolada a ela neste exato momento, mas tenho que dar atenção à sogra que não sabe que é minha sogra.

Cortês sentou-se meio desconfortável no sofá. Sim, exatamente naquele lugar — aquele que fiz impropérios com Bethany. A filha dela.

Sim, não há dúvidas: Culpa. Sinto muita culpa neste instante.

— O que houve, senhora Cortês? Por que neste horário? — tornei a perguntar, já que ela não aparentava mostrar interesse em iniciar o assunto por si só.

— Os meninos estão dormindo, então quis aproveitar a deixa. Sente-se aqui, sim? — pediu Denise, indicando o sofá. Eu engoli em seco, sentindo um frio repentino, mas fiz como pedido. Ao menos, havia a lareira elétrica, abaixo da televisão de plasma colada à parede, que esquentava o recinto um pouco.

— Do que se trata? — questionei, mexendo os dedos dos pés entre os pelos do felpudo tapete branco próximo ao sofá. Admito estar ansiosa para saber o que queria.

— Você gosta de ir logo ao ponto, não é, Mia? — sorriu, meneando a cabeça. — Eis o que gosto de ver em você. Será útil lá na frente.

— Lá na frente? — Franzi o cenho. — Aonde quer chegar, senhora Cortês?

— Isso não é só sobre negócios, Delilah. Me chame de Denise, por favor.

— Não mesmo?

— Não a princípio. Mas é relacionado... — murmurou, coçando a cabeça. — Inclui Bethany.

— O que tem Bethany? — engoli em seco novamente. Pelo jeito que falava, com certeza não sabia sobre a filha ter vindo. Mas seu tom ainda me era estranho demais.

— Thany é uma boa menina, sabe. Bem, você sabe, é claro. Deve conhecê-la mais do que eu. — Novamente, igual à primeira vez que conversamos desta maneira, Denise não me fitou nos olhos. Fixou o olhar em um ponto aleatório e ali permaneceu. O resto parecia petrificado. Só a boca se mexia. — Não sei o que sabe sobre nós e nosso relacionamento, mas sinto que sabe o bastante. Porém, é claro, na adolescência dela até agora, eu não fui presente em nada. É como se eu não a conhecesse, entende? Isso é estressante. Às vezes não sei como lidar.

— Bethany não é tão difícil de lidar. — murmurei, tentando encaixar as palavras. Que experiência eu tinha disso, afinal? Eu era só mais uma criança para Denise, praticamente. No que poderia ajudar? — Talvez muito teimosa às vezes, imprudente... E esses dois fatores acarretaram em... eu estar aqui. Nunca teria ido à loja sem tê-la conhecido.

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