Consertar

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— Lydia? Você consegue me ouvir?

— Quem é você? — Tinha uma mulher perto de mim, me encarando com cuidado.

Como eu tinha acordado? Onde eu estava?

— Você já me conhece, Lydia, meu nome é Melissa, sou enfermeira aqui no hospital e estava conversando com você.

— Isso é um hospital?

Olhei para os lados, um quarto branco, tinha máquinas ao meu lado; alguma coisa parecia familiar, mas não conseguia lembrar de estar naquele lugar antes.

— Sim, você está aqui há quatro dias, ontem você já acordou e falou com seus amigos, lembra?

— Eu não tenho amigos.

A mulher tinha cabelos escuros, castanhos, do mesmo tom dos olhos atentos. Ela lembrava alguém, parecia alguém, mas não conseguia distinguir aquela sensação de familiaridade.

— E dele? Lembra dele?

Só quando a tal Melissa falou, vi que tinha um garoto nos observando, encostado na parede. Ele era pálido, cheio de pintinhas pelo rosto, nariz empinado, olhos cor de avelã, cabelo escuro e muito bagunçado, alto, magro, com grandes olheiras e alguns machucados nos braços e no rosto, parecia ter sido arranhado.

— Ele é bonito. — Antes que pudesse impedir, me vi pensando em voz alta e desviei o olhar do garoto no momento que vi a surpresa passar em seu rosto cansado.

— Sim, é um garoto bonitão, não é? Quer falar um pouco com ele? — A olhei com insegurança, ela sorria. —Depois a gente continua a conversar, vou deixar você ficar com ele.

Não soube o que dizer, fiquei calada, encolhida e a vi levantar, ir até o garoto bonito e sussurrar algo em seu ouvido. Ele não parava de me olhar, abaixei a cabeça, desconfortável e percebi que Melissa saiu do quarto.

— Oi, Lydia. — A voz dele era grave, melodiosa, tão bonita quanto seu rosto.

— Eu conheço você?

— Sou a pessoa que mais se importa com você nesse mundo. — Ele deu um sorriso fraco, se aproximou e sentou em uma cadeira perto de onde eu estava deitada.

— Ninguém se importa comigo, eu sou uma cadela imunda. — Não escolhi as palavras, elas simplesmente saíram e flashes confusos passaram em minha mente, pessoas gritando comigo, dizendo que eu era apenas um animal, que não servia para nada.

— Ei, por que está dizendo isso? — Os olhos bonitos estavam cheios de lágrimas. Era por minha causa? — Eu sou Stiles, sou seu amigo, eu me importo com você, Lydia.

— Não. Não. Ninguém se importa com uma Banshee, eu mereço passar por isso, eu preciso passar por essa dor, o tratamento não acabou. — Não queria assustar o garoto bonito, mas não tinha controle sobre minha boca, comecei a falar por impulso, repetindo o que as lembranças me diziam. — Eu não sirvo para nada, até meus amigos me abandonaram, eles me deixaram aqui, eu quero mata-los, eles esqueceram de mim, é por causa deles. O que o doutor faz é para meu bem.

— Lydia, Lydia! Para de falar isso, Lydia, olha para mim, se concentra nos meus olhos, eu sei que você lembra de mim!

— Por que o doutor não me deixa morrer? Por que ele não me mata? Eu não quero mais viver.

— Lydia!

Tremi.

O garoto quase gritou meu nome, o encarei, confusa, minha visão estava turva, podia ouvir milhares de vozes gritando, me xingando, desejei arrancar minha pele, quebrar meus ossos. Por instinto, levei meu braço até a boca, mordi.

Talvez se eu me machucasse diminuísse a dor na minha cabeça.

— Lydia! Não, Lydia! O que você está fazendo? — O garoto bonito puxou meu braço com força, o arrancando de meus dentes.

— Desculpa, eu só faço besteira, sou burra. Não devia estar falando com você, ele me avisou que preciso obedecer, se não vou ter que ser punida.

Meu braço estava sangrando, entretanto não conseguia sentir dor, ele me segurava, o garoto bonito estava tocando em mim, a sensação era boa.

— Lydia, por favor, para com isso, por favor, por mim. Nunca mais diga essas coisas! Está ouvindo?

Fiquei sem reação. Aquele garoto tão bonito, de olhos tão bonitos, chorava, parecia tão frágil, o rosto branco ficava vermelho, ele mordia a boca; tinha vontade de abraça-lo, dizer para não ficar assim.

— O demônio diz que eu não sirvo para mais nada, eu tenho que deixar ele me tocar, eu tenho que deixar Kevin ter prazer, mas eu não gosto dele, ele me machuca, é nojento, eu tenho medo, não gosto que fique olhando para mim.

Algo mudou em sua expressão, ele aproximou o rosto do meu, a sua pele tinha um cheiro bom, ele grudou a testa na minha, segurou minhas mãos.

Seus olhos estavam.... Furiosos.

— Quem é o demônio, Lydia?

— Merlyn. — Minha mente não lembrava, mas minha boca respondeu.

— Esse Kevin é o desgraçado que estava tentando... — Ele não terminou a frase, rosnando de ódio, mas por algum motivo, não tive medo. — Ele sempre fazia isso com você? Ele tocava no seu corpo? Ele já te machucou?

— Eu não queria deixar, eu não queria, mas ele batia em mim. — Não sabia de onde as palavras vinham, no entanto eu as jorrava junto com o choro, o garoto bonito chorava comigo. — Ele tentava fazer outras coisas, mas eu...

— Shhh, calma, Lydia, está tudo bem. — O garoto das pintinhas apertava minhas mãos com tanta força, o rosto estava tão próximo, tinha vontade de mergulhar em seu corpo. — Eu vou fazer você ficar bem, eu vou te proteger, shhh, calma, Lydia, minha Lydia.

Minha Lydia.

Ele me chamou de minha, ele me chamou de minha. Tive vontade de gritar.

— Eu amo você, Lydia Martin e vou fazer com que você lembre disso. — O rosto dele chegou mais perto, prendi a respiração, nossos narizes se encostaram, ele beijou meu queixo, minha testa, minha bochecha. — Eu nunca te abandonei e nunca vou te abandonar, não importa o que eu tenha que fazer, você vai voltar a ser feliz, eu vou cuidar de você.

E então, aqueles olhos, aquela voz, o cuidado misturado a raiva em seu rosto expressivo, tudo fez sentido. Era como se tivesse um lençol cobrindo meus pensamentos e ele tivesse sido arrancando, as lembranças voltaram como um soco.

— Então por que você deixou que me levassem, Stiles? Eu passei todo esse tempo planejando como ia mata-los, todos vocês.

— Quem falou isso para você, Lydia?

— O doutor, ele contou tudo, ele disse que vocês me deixaram ali, ele me disse como você...

— Ele mentiu, Lydia, olha para mim. — Continuei olhando para baixo, evitando seu rosto que continuava colado ao meu. — Eu sou o mesmo garoto que você conhecia, o que sempre fez tudo para você.

— Quanto tempo eu fiquei lá? — Ele não respondeu, minha garganta queimava. — Responda!

— Um ano.

— Eu te odeio! — Consegui gritar, antes de um soluço romper de minha boca.

Eu era um misto de sentimentos, sensações, tudo parecia confuso e sem sentindo dentro de mim. Sentia como se fosse feita de um emaranhando de tristezas, não conseguia compreender com clareza o que acontecia comigo, onde estava, o que fazer.

Afastei meu rosto do Stiles, libertei minhas mãos de seu toque que fazia minha pele ferver e o vi abrir a boca para falar. Não suportei, estiquei a mão e bati com força em seu rosto, desejando lhe causar dor.

— Eu vou consertar você, Lydia. — Foi o que ele sussurrou antes de repetir a frase que aumentou meu choro. — Não importa o que você faça, não importa se você nunca me perdoar. Eu te amo e vou cuidar de você.

Aniquila-meOnde histórias criam vida. Descubra agora