Garota estúpida

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Stiles se livrou do enfermeiro que tentava me convencer em ir para o banho e me encarou durante um longo tempo, parecendo inseguro, parado em frente a porta do quarto.

— Você quer trocar de roupa? Kira me ajudou a comprar algumas peças para você. — Ele se aproximou do sofá, onde dormiu nos últimos dias e tirou de sua mochila uma muda de roupa, colocando no final da cama.

Não me mexi, não queria ficar desprotegida e distraída, então permaneci calada, o encarando fixamente, algo que já estava fazendo há algum tempo e parecia estar o enlouquecendo. Depois que ouvi o médico falando que eu tinha súbitos apagões de memórias e enquanto não voltava, eu conversava melhor com Stiles, passei a ser mais cuidadosa, só me comunicava para impedir que ele chegasse muito perto de mim, apesar de nunca ter reclamado dele ficar no meu quarto quase o tempo todo.

— Tudo bem, não precisa trocar. — Apertei os braços contra minhas pernas, sentindo meus dedos formigarem e analisei o garoto que parecia.... Constrangido. — Você entendeu que vai sair daqui hoje, Lydia?

— Eu não tenho para onde ir. — Obriguei-me a responder, enquanto ele ia até a ponta da cama e sentava.

— Olha, eu sei que você ainda não confia na gente e que não acredita que...

— Eu odeio você. — Ficou claro em seu rosto que aquela frase o deixou abalado. Ótimo.

— Lydia, eu sei que você passou por muita coisa, mas...

— Não diga que você sabe de alguma coisa. — Não queria nem sequer o responder, ele não merecia aquilo, mas minha voz saia sem que conseguisse conter. — Você não faz ideia do que eu passei sozinha naquele lugar.

— Eu estou tentando consertar isso. — Ele suplicava e mesmo sem querer, observei como seu rosto ficava bonito com aqueles olhos pedintes, ia interrompe-lo novamente, mas ele foi mais rápido. — Você vai morar comigo, Lydia, eu já resolvi tudo e hoje nós iremos para uma cidade próxima.

Morar com ele? Ficar sozinha com Stiles? O que ele estava querendo comigo? O que ele queria fazer?

— Por que você está fazendo isso? — Não sabia como me defender daquilo, o que dizer para mostrar que aquela ideia era impossível, não sabia o que fazer.

— Porque eu amo você, Lydia e prometi que a traria de volta. — Stiles levantou, guardou suas poucas coisas jogadas no sofá dentro da mochila e antes de sair do quarto, só me disse mais uma coisa: — Melissa vem busca-la daqui a pouco.

Não quis trocar de roupa, não quis me despedir de ninguém, aquelas pessoas não eram minhas amigas e eu só tinha visto no hospital Scott e Stiles; eles já eram demais para mim, não queria rever mais nenhum rosto.

Melissa não disse nada sobre eu continuar com a roupa hospitalar, apenas me ajudou a levantar e caminhou em completo silêncio, ao meu lado. Minhas pernas tremiam, sentia que podia desmoronar a qualquer momento, mas não queria que ninguém encostasse em mim, então andei lentamente pelos corredores no hospital e quando percebi, a enfermeira me guiou até o lado de fora.

— Lydia, você está bem? — Não respondi, apenas encarei Melissa, tremendo com o vento gelado da noite. — Vai ficar tudo bem, Stiles vai cuidar de você, mas tem que colaborar, vai continuar com a sua medicação e precisa aceitar a ajuda dele.

Permaneci calada, olhando para além dela, para o céu. Como eu senti falta de enxergar as estrelas e tinha milhares delas, pareciam se mover e me cumprimentar, como velhas amigas saudosas.

Não percebi a intenção de Melissa até sentir seus braços nas minhas costas e seu corpo chocar contra o meu. Trinquei o maxilar, assustada com aquele contato, entretanto não impedi, apenas deixei os braços duros, presos contra meu corpo, sem retribuir e logo ela se afastou com um sorriso.

— Você já tem mesmo tudo o que precisa? — Percebi que ela não falava mais comigo quando senti o cheiro de amêndoas, que dominava o quarto do hospital desde que Stiles começou a dormir lá.

— Tenho, Mel, nós vamos ficar bem, você que precisa ficar de olho no seu filho para não morrer de saudades de mim. — Virei na direção do humano, ele sorria para Melissa, mas olhava para mim.

Todos os dias, a cada instante que ele ficava no mesmo lugar que eu, seus olhos pareciam me esquadrinhar, às vezes eu tinha a sensação de que ele era capaz de enxergar e entender mais do que dizia, como se penetrasse minha alma.

Acho que eles conversaram, acho que era sobre mim, mas novamente, perdi o interesse no que acontecia ao meu redor, apenas permaneci paralisada, encarando o céu e sentindo o vento cortar minha pele exposta.

— Ei, Lydia, vamos. — O sussurro de Stiles fez com que eu o encarasse e, automaticamente, recuei um passo, receosa. — Não precisa ter medo, só quero que entre no carro.

Olhei para o Jeep azul por um tempo longo demais, aquele carro trazia lembranças familiares, de milhares de vezes que entrei nele e reclamei por ele ser velho e viver parando, apesar de, internamente, amar aquela lataria.

— Lydia? — A voz grave me chamou novamente.

— Por que eu entraria?

— Porque, por mais que odeie isso, você precisa de mim. Se você não for comigo, onde pretende ficar? Eu sei exatamente como cuidar de você e se não aceitar a minha ajuda, eles vão acabar levando-a para alguma instituição psiquiátrica, você quer isso?

Não era justo que ele falasse isso e pelo brilho nos olhos castanhos, tive a certeza que ele tinha consciência daquilo, mas e se ele tivesse razão? Eu não tinha para onde ir, com quem ficar.

Cambaleei até o carro, Stiles abriu a porta para mim e eu me joguei no estofado velho.

— Allison, você está aqui? — Sussurrei para que o garoto não escutasse e fechei os olhos quando ouvi a porta do carro sendo aberta e senti ele entrar no carro.

— Eu nunca vou abandona-la, garota estúpida. — A voz feminina ecoou em meus ouvidos junto com a voz grave de Stiles, todavia não me importei em escutar o que ele dizia.

— Eu preciso da sua ajuda, vou ficar sozinha com ele.

— Não vou permitir que ninguém mais te machuque. — Allison estava irritada, determinada, não precisava abrir os olhos para saber.

— Você tem razão, Allison, eu não posso esquecer o que aconteceu comigo, não posso desperdiçar todo o tratamento. — Falei cada vez mais baixo, apertando as mãos em punho e rezando para que Stiles não conseguisse ouvir. — Eu preciso mata-lo, mas não vou conseguir sem a sua ajuda.

Ainda com os olhos fechados, pude visualizar o sorriso de Allison, preenchendo seu rosto e apesar da falta de resposta, tive a certeza que ela me ajudaria. Eu precisava matar Stiles.


Aniquila-meOnde histórias criam vida. Descubra agora