Reflexo

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— Pronto, ela já foi. — Foi a primeira fala de Stiles quando voltou ao apartamento.

Assim que ataquei Malia, Stiles me abraçou e ficamos assim durante muito tempo, até a coiote resmungar de dor, ainda caída no chão.

"Lydia, por favor, só fica no quarto quietinha, eu vou ajudar a Malia" ele pediu, a voz cheia de preocupação e eu segui suas palavras. Fiquei sentada na cama, absorvendo o que tinha feito, do que fui capaz.

A força que emanou de meus braços, fazia meus pelos se arrepiarem e provocavam um tremor no alto do estômago. A sensação de ter o controle da situação era boa, entretanto melhor do aquilo, foram as palavras de Stiles, dizendo que eu era forte.

Aquilo, fez com que, pela primeira vez, eu me sentisse segura, verdadeiramente capaz de lutar, de me proteger, mas a culpa por ter machucado Malia, causava uma dor irritante no topo da cabeça que desmanchava todo sentimento de satisfação. Eu não queria fazer aquilo, não devia ter feito.

Stiles voltou ao quarto, dizendo que Malia estava bem, se curando e que ia embora. Depois de um enorme discurso, sobre coisas do tipo "pelo amor de Deus, não tenta se matar ou fugir" ele me deixou alguns minutos sozinha no apartamento, levando Malia lá para baixo, para que pudesse se despedir dela.

E então, após poucos minutos, ele voltou, entrando no meu quarto, dizendo que Malia tinha ido embora e me encarando em silêncio.

— Desculpa. — Sussurrei baixo, sem saber o que fazer.

— Você está se desculpando? Eu trago uma garota para cá, fico com ela, você vê e me pede desculpas por ter se descontrolado? Eu fui estupido por ter tido a ideia de deixa-la dormir aqui. — Ele negou com a cabeça e eu franzi o cenho, a forma como ele falava parecia mudar o que de fato aconteceu. — Só não sei como você atacou ela em vez de me atacar.

— Nunca gostei dela.

— Como se você gostasse de mim.

A afirmativa soou com amargura, demonstrando clara frustração. Analisei Stiles, seu rosto mais pálido do que o normal, a expressão transtornada pelo estresse e preocupação, em seu pescoço tinha marcas das minhas mãos.

— E-eu— Comecei a falar, mas a voz sumiu quando os olhos castanhos, afetuosos, perfuraram meu rosto com uma expectativa muda. Um silêncio desagradável reinou e ele desviou o olhar, só assim minha voz saiu em um sussurro incerto. — Eu gosto de você.

Ele abriu a boca, as sobrancelhas erguidas em surpresa, mas nenhum som foi proferido.

A tarde seguiu em um silêncio quase absoluto, ficamos juntos o tempo todo, sentados na minha cama, deitados nas pontas opostas do sofá, nos encarando, suspirando, pensando.

— Eu estou morrendo de fome. — Stiles disse repentinamente, ele estava jogado no sofá e eu, sentada de pernas cruzadas no chão. — O que você acha de pedir pizza?

O olhei incrédula, sorrindo automaticamente. Ele pareceu surpreso com meu sorriso e logo em seguida, exibiu os próprios dentes, fazendo uma expressão deliciosa.

— Eu já posso comer pizza?

— Sim! Ontem completou o tempo que você precisava ficar sem comer excesso de gordura, agora está oficialmente livre para comer qualquer coisa! — Ele anunciou animado e quando percebi, já batia palma em comemoração, como uma criança animada, sem acreditar que estava livre da restrição alimentar.

Stiles soltou uma risada rouca, levantando do sofá.

— Vou considerar isso um sim. O que você acha de uma pizza doce de sobremesa?

— Chocolate! — Respondi rapidamente e ele concordou com a cabeça, ainda rindo.

— Eu escolho o sabor da salgada. — Ele murmurou e naquele instante, parecia impossível acreditar que ainda era o mesmo dia que tentei matar Malia e o sufoquei contra a parede.

Como alguém podia ser tão bom para mim? Como ele tinha coragem de agir tão naturalmente?

E então, como sempre acontece na minha vida, os momentos felizes são seguidos por momentos de dor.

Esse novo momento de dor foi após Stiles acrescentar uma frase que disse com inocência, sem imaginar que minutos depois me causaria lágrimas.

— O que você acha de tentar tomar banho sozinha? Eu vou ligar para a pizzaria e já vejo como você está se saindo.

Abri a boca, em choque. Ele estava mesmo me dando mais liberdade?

Por algum motivo, não gostei daquela ideia, não queria tomar banho sem ele.

— Você acha que eu consigo?

— Não quer que eu dê banho em você para sempre, quer? — Ele estava distraído, com o celular na mão, mas percebeu minha expressão que devia mostrar insatisfação.

— Meu cabelo... — Foi a única justificativa que consegui, sem saber como dizer que não queria tomar banho sem ele.

— Pode deixar que eu vou lá fazer massagem no seu cabelo. — Ele respondeu ao perceber que eu queria seu carinho na minha cabeça.

Fiquei mais calma com aquilo, mesmo sem saber o motivo e então, fui até o banheiro, com a toalha tremendo em minhas mãos. Deixei a porta aberta e rezei para que nem Allison, nem Aiden resolvessem aparecer novamente.

Tirei a roupa, sentindo as pernas frágeis, mas acreditando no julgamento de Stiles, que achava que eu já era capaz de sobreviver sozinha no chuveiro. O meu erro aconteceu após ligar a água e ela entrar em contato com meu corpo.

Fechei os olhos e meus pensamentos foram de encontro a cena que presencie na noite anterior. Pensei no corpo nu de Malia, seu corpo perfeito, na forma como ela se mexia sobre Stiles e na expressão dele de prazer, a forma como suas mãos grandes apertavam a pele morena.

O pensamento fez minha respiração acelerar, meu estômago se contorceu com um enjoo repentino. Abri os olhos, tentando expulsar o pensamento, colocando a cabeça debaixo da água fria e encarando o chão do box, mas então, meus olhos recaíram sobre meu próprio corpo.

Eu parecia deformada, eu estava magra demais, frágil demais, desajeitada. Toquei na minha barriga, senti cicatrizes sob meus dedos, apertei meus seios e percebi o quanto eles pareciam menores, murchos, pelo me excesso de magreza.

Ergui os braços na altura do rosto e só assim, notei como minha pele estava translúcida, frágil e ao mesmo tempo seca. Minha respiração, já acelerada, se tornou pesada, difícil, meus olhos arderam com lágrimas que desejavam despencar.

— Ele me vê assim todos os dias? — Meu sussurro soou tão agoniado que me surpreendi.

Meu peito se espremia com uma dor insuportável e novamente, só consegui pensar no corpo de Malia.

Após longos segundos, entendi o que sentia e a compreensão do porquê ataquei Malia, pareceu óbvio demais. Ela era linda, desejável, Stiles a desejava e eu tinha o corpo repugnante. Ele me via nua todos os dias, em cada banho, e jamais me olhou com o desejo que transparecia em seus olhos ao ver Malia.

— Como sou estúpida, é por isso que ele quis que eu tomasse banho sozinha, ele não deve aguentar mais ver meu corpo imundo.

As lágrimas, que antes eram só uma ameaça, saíram dos meus olhos, caindo pelo meu rosto. Apesar de mal ter entrado no chuveiro, desliguei a água, me enrolei na toalha e fui até meu quarto.

Em uma das paredes, tinha um espelho de corpo inteiro. Eu tinha tanto medo de encarar a realidade de como eu estava, que sempre evitava ver meu reflexo.

Sem querer, eu já tinha vislumbrando meu rosto uma ou duas vezes, mas apenas isso. Desde a Eichen House, não tive coragem de me ver, ficava apavorada ao pensar no que encontraria no reflexo.

Respirei fundo, sem tentar controlar o choro e me posicionei em frente ao espelho, de olhos fechados. Deixei a toalha cair aos meus pés e minhas pálpebras se ergueram, para que eu finalmente encarasse quem eu era depois de um ano no inferno.

Minha garganta se fechou, um soluço alto escapou de meus lábios e o choro se tornou compulsivo.

Aniquila-meOnde histórias criam vida. Descubra agora