Animal

1.9K 94 185
                                    

Eu escuto vozes a cada instante. Vejo os mortos, converso com eles.

Talvez tenham razão, talvez eu realmente precise de tratamento.

Há quanto tempo estou aqui? Quando vou sair? Eu preciso escapar!

Eles precisam concluir meu tratamento.

Quero ficar curada, sair desse lugar e me vingar, matar todos eles, os responsáveis por todo esse tempo sem ver a luz do sol.

Vou matar um por um, arrancar seus membros, os esmurrar como fizeram comigo, quero vê-los agonizando no chão, cuspindo sangue. Quero escutar o som de seus ossos se quebrando e só então, quando não sobrar nenhum, depois de assistir os moribundos sendo queimados vivos, poderei sorrir novamente.

Scott, Kira, Liam, Malia e finalmente, Stiles. O deixarei por último para seja obrigado a ver todos os amigos morrerem primeiro. Ele merece, pois tudo isso é culpa dele. Stiles me abandonou aqui, me torturou, me humilhou e eu farei com que pague por cada minuto que passei nesse lugar imundo.

- Lydia! O doutor quer vê-la. - A voz agourenta me chamou; aquela mulher era como a própria morte.

Suja, cabelos brancos amarrados, mãos calejadas, sempre vestida com aquele trapo do uniforme azul e com o péssimo hábito de cuspir em mim.

- De novo? Eu acabei de voltar de lá!

- Não discute comigo! Levanta!

Estava encolhida no canto de minha cela. Neguei com a cabeça e torci as mãos como garras, afundando as unhas curtas no cimento do chão abaixo de mim e grudei a testa suada na parede, cavando como um animal, usando os dedos contorcidos na tentativa de abrir um buraco no piso e na parede, conseguindo arrancar somente uma nuvem de poeira.

- Lydia! Para com isso, levanta se não quer receber mais uma dose do seu remédio! Eu já disse que o doutor quer vê-la novamente, não atrase ainda mais o tratamento!

- Não, eu vou sair daqui! Vou cavar um buraco para o lado de fora! - Eu mal conseguia andar, mas nenhum dos procedimentos que passei me impediram de gritar e eu berrei cada palavra, rosnando para a mulher.

Olhei para aquele demônio de cabelos grisalhos e voltei a encarar a parede, forçando mais meus dedos contra o piso. Eles começaram a sangrar, mas não me importei, eu precisava chegar ao lado de fora.

- Cadela estúpida! Revela cada vez mais o animal que você é!

Minha cabeça tombou para trás com violência. Gritei de dor e mostrei os dentes para a velha, rosnando novamente, sentindo a saliva escorrer de minha boca, enquanto era puxada pelo cabelo, vários fios sendo arrancados do couro cabelo.

Com um sorriso distorcido, a morte cuspiu no meu rosto e enroscou ainda mais os fios do meu cabelo em seus dedos calejados. Bati as pernas contra o chão, estiquei os braços para o alto e debati minha coluna, saltando do piso, mas a desgraçada tinha uma força monstruosa.

Eu já conhecia aquele chão asqueroso, todo meu corpo conhecia. Já tinha sujado aquele piso com meu sangue inúmeras vezes, meu suor o banhava todos os dias, minha saliva criava poças em suas rachaduras, minha urina aumentava o fedor que subia como uma substância radioativa, preenchendo todos os malditos corredores mal iluminados.

Minhas costas pouco cobertas foram arrastadas pelo piso, em um atrito quase insuportável, mas não parei de lutar por nenhum segundo. Rosnando com meu rosto sujo pelo cuspe da mulher, me contorcendo, gritando em resposta a dor aguda em minha cabeça, ao ter tufos ruivos sendo arrancados enquanto era puxada, já sentia o sangue esquentando minha nuca.

A velha miserável parou de andar e no exato momento que fiquei inerte, cessei minha luta. Abracei meu próprio corpo, agarrando os ombros e dobrando as pernas em direção a barriga, ignorando a ardência e o líquido quente que pingava de minhas costas.

Fechei os olhos com força, para não ver a mulher abrindo as portas transparentes que tanto conhecia, no entanto escutei aquele som esdrúxulo, do metal e vidro sendo arrastados e logo em seguida, a voz agourenta da velha monstruosa feriu minha audição.

- Doutor, ela deu trabalho mais uma vez.

Apertei com mais força as pálpebras contra meus olhos, mas novamente, minha audição me traiu e ouvi aquele estalar molhado da língua do doutor, batendo-a contra os dentes. Eu odiava aquele som!

- Lydia, querida, abra os olhos. - A voz dele, mesmo com o pavor que me causava, era doce, quase comestível, arrastada e extremamente gentil. - Abra os olhos. - Quando ele repetiu, a voz doce não se assemelhava mais com um marshmallow, tinha um gosto mais amargo, de ordem e das consequências implícitas em sua fala se não obedecesse ao que dizia.

Obedeci.

- Quanto mais resistir, vai ser mais doloroso para você.

Ele estava abaixado a minha frente, o rosto próximo. Apertei os braços com mais força, esmagando meu próprio peito e aumentando a dor de meus dedos feridos.

- Me deixa sair, eu já estou pronta, posso mata-los.

- Shh, eu sei que está, querida. - A mão firme deslizou pelo meu rosto. - Mas ainda preciso cuidar de você.

Não suportei, chorei.

- Só quero seu bem, você sabe disso, para de chorar.

- Eu sei, mas dói muito. - Percebi o erro de minhas palavras assim que a expressão do doutor mudou.

A mão que antes acariciava meu queixo, foi com impacto contra minha cabeça, em punho, fazendo com que minha nuca aberta quicasse no chão.

- Será que esse tempo todo não lhe ensinou nada? Não seja covarde! Seus amigos fizeram o certo em lhe deixar aqui, ninguém suporta pessoas com auto piedade. Estou fazendo o melhor para você e assim que me retribui? Com ingratidão?

Parei de piscar, mantendo os olhos ardendo, porém bem abertos para impedir que as lágrimas continuassem a cair.

- Levanta!

Dessa vez, apesar da dor, levantei. Apoiei as mãos no chão, ergui o corpo e senti a vertigem tomar minha cabeça. Encostei o tronco na porta de vidro para ganhar força e obriguei que meus pés descalços se arrastassem pelo chão, seguindo o homem que se aproximava da maca.

- Tira a roupa e deita.

Não importava quantas vezes já tinha escutado aquela mesma fala, me sentia humilhada e exposta da mesma forma, mas era para meu próprio bem, eu sabia disso, o doutor sempre me falava.

As coisas horrendas que aconteciam comigo naquele lugar, não era culpa dele, era dos que se diziam meus amigos.

Tirei o vestido hospitalar, deixando que caísse no chão. Não usava roupas íntimas, disseram que eu não precisava e nem merecia ganhar.

Andei com dificuldade até a maca e deitei no metal frio. Encarei a luz branca acima de mim para não ter que olhar para o doutor, nem para as cicatrizes no meu corpo.

- Por causa de suas atitudes, sem anestesia hoje, Lydia, vai tomar somente seus compridos.

Arregalei os olhos, abri os lábios para tentar encontrar minha voz, mas o doutor enfiou dois dedos em minha boca, empurrando cinco compridos que engoli a força.

- Merlyn, anote a hora, meia noite e trinta dois, primeira incisão.

Merlyn, era como chamavam o demônio, que me encarou sorridente antes de anotar algo em seu maldito bloco.

Foi a última visão que tive antes do bisturi cortar meu ventre.

Aniquila-meOnde histórias criam vida. Descubra agora