Palavras aleatórias

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Quando ele abriu os olhos, respirando forte, os olhos arregalados e o rosto pálido, foi como se o ar voltasse a invadir meus pulmões.

Suspirei de alívio, mas logo desviei o olhar de Stiles, para voltar a encarar, desconfiada, a mulher de cabelos cacheados que mexia sem parar na ferida do ombro dele, costurando habilmente a pele pálida.

— O que aconteceu? — Ele se sobressaltou e a mulher empurrou seu peito nu para que ele voltasse a sentar.

Rosnei baixo para ela, sem gostar do contato excessivo e a mulher arregalou os olhos para mim, surpresa.

— Quem é você? — Quando ele perguntou novamente, a mulher, Carol, voltou a encara-lo.

— Sou Carol, vizinha de vocês, moro no apartamento da frente.

— Você desmaiou, não sabia o que fazer. — Acrescentei baixo e foi a vez de Stiles me encarar com surpresa, eu estava sentada na ponta extrema do sofá, pronta para matar Carol se fizesse qualquer mínima atitude que eu considerasse suspeita.

— Sua namorada se preocupa muito com você, encontrei ela desesperada no corredor, andando de um lado para o outro e falando sozinha. — A mulher riu, mas Stiles me encarou sério.

— Ela não é minha... — Foi a resposta dele, corando, sem ter coragem de terminar a frase e só aí percebi do que a mulher tinha me chamado.

— Não? — Ela parecia curiosa, esperando uma resposta que não veio.

Carol pareceu ficar desconfortável com o silencio repentino, eu apenas me ajeitei no sofá, abraçando minhas pernas por instinto e analisei a mulher, que disse estar cursando a faculdade de medicina.

Stiles não tirava os olhos de mim, estremecendo vez o outra enquanto a mulher terminava o curativo.

— Bem, é só isso. Não faço ideia de como você conseguiu fazer esse machucado, mas tente tomar cuidado.

— Obrigado mesmo. — Ele sorriu abertamente para a mulher e por algum motivo, aquilo me incomodou. Ela podia ser alguém que pretendia mata-lo, como podia sorrir daquela forma?

— Não podia deixar meu vizinho, desmaiado por perda de sangue, sozinho. — Carol balançou os ombros e quando percebi seu olhar para o corpo exposto de Stiles, tive a certeza que não gostava dela.

Levantei, raivosa, mesmo sem saber o motivo e automaticamente expus meus dentes em uma ameaça. Carol arregalou os olhos, levantando também e dando alguns passos para trás, completamente confusa.

— Lydia, o que você está fazendo? — O sussurro grave de Stiles fez com que eu o encarasse. — Calma.

Com dificuldade, escondi os dentes, mantendo uma expressão séria e senti minhas pernas ameaçarem a fraquejar. Precisei sentar, tonta e o garoto me analisou antes de levantar, indo até a moça assustada.

— Eu posso explicar. — Ele sussurrou para Carol e eu fiquei impotente pelo mal-estar, vendo o garoto, sem camisa, cambalear em direção a porta com a mulher de cabelos cacheados.

Ele demorou muito tempo no corredor, eu conseguia escutar o sussurro deles, mas não podia distinguir as palavras. Tive vontade de xingar Stiles e arrasta-lo para dentro, afinal, apesar de Carol ter ajudado, podia ser qualquer pessoa com uma intenção ruim, não era para ele fazer amizade com ela.

Ele voltou me analisando, aflito, como se temesse me encontrar com outra faca. Eu continuei calada, imóvel, sem saber o que fazer, lembrando de como o ataquei, como ele me beijou e das suas palavras doces, que pareceram tão sinceras.

— Eu disse que você era minha melhor amiga e que sofria de problemas mentais. — Senti meus olhos saltarem do rosto. — O que eu podia fazer? Você rosnou para ela, Lydia, antes estava falando sozinha e não tinha nenhuma explicação lógica de como eu estava com um ferimento enorme no ombro.

— Mas ela olhou para você!

— O que?

— Ela olhou para o seu corpo!

— Ela olhou... — Stiles não terminou de falar, encarando, incrédulo o próprio tronco.

Por curiosidade, segui seu olhar. A primeira coisa que notei foi o sangue manchando a pele clara e a ferida grotesca, com vários pontos, mas depois de alguns instantes, consegui observar seu corpo de fato

Ele era magro, quase magro demais, o peito e o abdômen lisos, sem grandes definições. Extremamente pálido, com diversas pintinhas espalhadas aleatoriamente por todo corpo e era claro na sua expressão que ele era inseguro com o físico.

Observando com mais atenção, vi que na sua barriga tinha pequenos traços deitados, como se os músculos magros quisessem se exibir e por algum motivo, isso fez com que eu sentisse vontade de passar os dedos por ali, sentindo a textura de sua pele, para me certificar se aqueles tracinhos eram o início de um abdômen definido.

A marca de tiro, na altura do seu quadril, do lado esquerdo, renasceu em mim as dúvidas constantes desde que sai do meu inferno. Ainda sabia muito pouco do porquê tudo aquilo aconteceu comigo e esse era o principal motivo de sentir tanta insegurança para confiar nele.

Stiles pareceu perceber que eu o analisava, pois ficou repentinamente desconfortável, tentando cobrir o tronco com as mãos, antes de sair da sala por alguns segundos e voltar vestindo uma camisa amassada.

Ficamos por um bom tempo em silêncio, Stiles em pé, pulando no calcanhar e eu sentada, encolhida. Depois de poucos segundos, me distrai facilmente com os níveis de constrangimento que passaram pelo rosto dele, ao ponto de perder a noção dos minutos.

Stiles fez uma expressão pensativa, corou, desviou o olhar, percebeu que eu o encarava e arregalou os olhos. Ficou com o rosto virado para a parede, se desequilibrou apesar de estar parado e abriu a boca umas cinco vezes, como se tentasse criar coragem para dizer alguma coisa.

Era extremamente fascinante observar seu rosto expressivo e como ele conseguia ser desajeitado mesmo sem andar um passo. O garoto demorou, no entanto, finalmente, conseguiu me encarar e respirou fundo antes de ter coragem de falar.

— Desculpa por eu ter.... — Ele travou na frase e continuou de forma confusa, falando rápido demais. — Você sabe, eu não devia ter feito nada, na verdade não sei porque eu fiz aquilo, só achei que, bem, talvez não tenha pensado direito. — Era impossível entender o que ele falava, mas não o interrompi, querendo ver o quanto se enrolaria nas palavras. — Não quero que você fique com medo ou pense que vou fazer alguma coisa ruim porque eu meio que...

— Está tudo bem. — Por fim, não aguentei e interrompi o vômito de palavras aleatórias.

— Eu não quis a violar de alguma forma ou me aproveitar da situação e fiquei com medo que você, não sei, se afastasse mais, agora que tive esperança que estivesse começando a confiar em mim. — Ele falou isso de cabeça baixa, com um olhar triste, fazendo meu estômago se contorcer. — Não fica com medo de mim só porque eu a beijei.

Quando Stiles finalmente teve coragem de dizer o motivo de pedir tantas desculpas, achei interessante a maneira repentina que ele mudava. Em uma hora, Stiles parecia um homem responsável e bem resolvido, na outra voltava a ser o adolescente extremamente desajeitado que eu lembrava e naquele momento, parecia quase uma criança insegura, com olhos pedintes e medrosos, fazendo um biquinho involuntário na boca fina.

— Você não me assustou. — Foi a única coisa que disse, pois nunca confessaria o aconchego que a sua boca me proporcionou, como um verdadeiro carinho depois de tanto tempo recebendo somente humilhação.

Ele me olhou como se duvidasse, mas abriu um sorriso torto.

Quando eu percebi, meus lábios já correspondiam aquele sorriso, se curvando para cima de um jeito estranho. Quanto tempo eu fiquei sem sorrir?

Aquele movimento da minha boca, pareceu desconhecido, mas trouxe uma satisfação repentina que inundou meus órgãos. Stiles pareceu perceber que aquele era, provavelmente, o primeiro sorriso que eu dava desde meu inferno.

Os olhos castanhos brilharam incontrolavelmente e seu sorriso torto se expandiu por todo rosto.

Aniquila-meOnde histórias criam vida. Descubra agora