58- O caos é uma escada

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Sobreviventes de São Paulo


Depois da partida de Hanah e Matheus, Mara decidiu subir até o quarto do apartamento que lhe servia de abrigo sem dizer nenhuma palavra sequer. Angeline achou por bem ficar mais um tempo em baixo, por algum motivo ela pensou que os dois que partiram poderiam regressar mesmo tento passado pouco tempo desde sua partida.

Com parcimônia a mulher de cabelos vermelhos passou a afiar seu facão, era um hábito que ela passou a fazer automaticamente com o passar dos dias, dessa ação dependeria sua vida e das pessoas com que ela se importava.

Beth ficou sentada ao lado dela brincando com seu cubo mágico, Angeline percebeu que a menina montava e o quebra-cabeça com mais rapidez ainda. Ao ver os finos cabelos loiros da menina sobre seu frágil rosto, Angeline se permitiu sorrir. A inocência da menina perto dela tornava a vida com mais propósito, de alguma forma a presença da garota mostrava que um futuro poderia ainda ser possível.

Angeline estendeu a mão para arrumar os cabelos da menina, sua mão já estava na metade do caminho quando a grade da frente foi empurrada com força emitindo um lamurioso som metálico. Ela ficou de pé e olhou buscando encontrar fonte do barulho.

A mulher apertou com força o facão recém amolado quando viu que um pequeno grupo de mortos-vivos se acotovelavam e forçando a grade que os separada das duas. Seus olhos reviraram freneticamente em suas orbitas, seus dentes chocavam-se no desejo de poderem comer carne fresca.

Angeline ficou petrificada, hipnotizada pela visão que estava tendo. Saiu do pequeno momento de devaneio ao sentir as pequenas mãos de Beth puxarem sua camiseta.

- Você está bem querida?- Angeline perguntou por fim.

Beth apenas meneou a cabeça positivamente.

- Vamos subir. Acho que nosso cheiro aqui em baixo deve estar atraindo esses filhos da – Angeline parou sua fala e olhou para o rosto da menina – esses pobres coitados.

Beth sorriu e segurou a mão de Angeline. As duas subiram os lances de escadas, sempre tomando cuidado com o que poderiam encontrar no caminho até o quarto, pois mesmo tendo revistado todo o prédio eles sabiam que os vagantes sempre brotavam como que do ar. O caminho era estreito e escuro na maior parte do percurso, iluminado apelas com pequenos balancins que ficavam perto do teto do local e proporcionavam o mínimo de visibilidade.

Diante da porta do apartamento que lhes servia de abrigo Angeline se deteve e tentou escutar alguma coisa de dentro.

- Mas com que essa vadia está falando? – Angeline pensou após ouvir um sussurrar vindo do outro lado da porta.

Beth apertou com mais força a mão de Angeline. A mulher colocou com cuidado a menina para trás de si e fez sinal para que ela permanecesse onde estava e sem silêncio. A menina entendeu e se afastou para trás.

Angeline colocou seu facão em riste, engoliu em seco, sua pulsação acelerou e com força ela deu um pontapé na porta. Com um rápido movimento ela entrou e encontrou Mara agachada perto de suas coisas e segurando o diário que ela havia encontrado com o maluco do banco.

Por um instante Angeline apenas olhou com fúria a esquelética mulher, por um segundo ela se viu desferindo um forte golpe sobre a cabeça da estranha. Porém, ela deteve-se e apenas colocou sua arma perto da cabeça da mulher.

-O que infernos você está fazendo com isso na sua mão?- Angeline disse com o rosto em brasa.

- Quem lhe deu permissão pra mexer em nossas coisas? – Angeline disse sem esperar uma resposta da mulher.

A mulher aparentou estar amedrontada com os berros que Angeline estava dando.

Angeline pegou a mulher pela camisa puída e fedida e a forçou contra a parede.

- Você não ouviu minha pergunta sua vadia?- Angeline falou fazendo ainda mais força sobre o peito da mulher. Um fio da saliva descia dos lábios de Angeline.

- Será que não foi o bastante nós termos salvada essa sua  vadiazinha de merda? Ainda vai tentar roubar o pouco que nós temos?

Angeline jogou com força a mulher contra o chão, sua cabeça atingiu uma das latas que lhes serviam de prato emitindo um forte som metálico. Mara se ergueu e um fio de sangue caída de sua testa.

- P-perdão – Mara enfim falou mostrando amedrontamento- O diário estava caindo da mochila eu fiquei curiosa, achei que não teria problema dar uma olhada.

Angeline apenas a observava, sua fúria ainda persistia. Por tempos ela estava buscando uma oportunidade para colocar Mara fora do grupo e enfim ela aparecera.

- Onde você conseguiu isso?- Mara perguntou, com o tom de voz agora desafiador e com o semblante afetado.

- Eu é quem faço as perguntas aqui. Se não fosse por nós você já tinha virado patê.

- Já leu o que tem aí?- A mulher perguntou, uma sombra cobria seus olhos.

- Você não pode mais ficar com a gente.

- Algum de vocês já leu o que tem nesse diário?- Mara perguntou erguendo o diário para que Angeline pudesse ver o objeto.

- Levante e saia daqui – Angeline falou erguendo seu facão na direção de Mara.

A mulher permaneceu no chão. Um sorriso crescia em seus lábios rachados.

- Esse pequeno diário – Mara falou com a voz aquosa – Um gênio fez isso. E agora eu vejo que tudo o que está acontecendo faz sentido. O caos faz sentido!

Ela gargalhou monstruosamente. Angeline a chutou com força no peito, a mulher caiu para trás, ainda com um sorriso nos lábios.

- Esse diário é uma bênção para a humanidade caída, pena que não tenham lido ele com cuidado.

- É só um monte de besteira nascida de uma mente doentia.

- É o que um louco acharia de uma obra de arte – Mara falou.

Mara sentou no chão se apoiando com a mão esquerda. A direita estava dentro do seu agasalho puído. Angeline pensou que fosse devido ao chute que ela lhe havia dado.

- Foi uma bênção ter descoberto o diário. Mais não foi a única coisa que encontrei no meio das coisas de vocês.

Então Angeline se lembrou do que mais estava em sua mochila. Mas já era tarde.



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