27- Réquiem

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PRIMEIRA PARTE

Belém - Pará

Antes

O sol equatorial era impiedoso. Mas ele ainda assim mantinha-se sob o astro.

Sua proeminente barriga evidenciava o que lhe mantinham fora de casa mesmo sob o forte calor. Sentado em uma encardida cadeira plástica seus olhos fitavam o vazio e seus ouvidos eram preenchidos pelo estridente som. Em sua mão direita o homem segurava mais uma garrafa de cerveja que em breve acabaria no chão como as demais.

Alheio a tudo e a todos, ele seguia há quase dois dias em uma maratona de bebidas e som alto. Com a mente confusa ele não notou que seus vizinhos haviam saído de suas casas. Ou será que notou? Mas imaginou que ele era o motivo pelo qual as pessoas de sua rua haviam saído de suas casas com mochilas em suas costas de forma apressada. Mas que se danem todos eles! Ele estava na frente de sua casa, e lá ele que comandava.

*

O sol já terminava seu trajeto diário, entretanto o som alto persistia, e o homem mantinha-se impávido em sua cadeira, seu trono bebericando mais um gole de seu tão amado néctar de cevada.

Ele fedia. Mas quem estava lá para notar isso?

Eu que mando aqui! Ele berrava de tempos em tempos. E seguia as ordens dadas pelo apresentador que falava enquanto uma pseudo-música que berrava no alto falante do aparelho de som.

- Eh! Eh eh! – Ele gritava.

A rua estava escura, e as trevas eram preenchidas pelo barulho que continuava a lançar seu som obsceno.

Um único porte iluminava o restante da rua. A casa do homem porém, estava iluminada.

Quando o homem olhou para a área iluminada pela luz do poste solitário ele percebeu que duas silhuetas se aproximavam.

- Ei.. – Ele disse com voz vacilante - Vamos comemorar! – Era a desculpa que ele sempre dava para suas intermináveis maratonas de som alto e barulho infernal.

As duas pessoas se aproximaram. Ele não notou que seus passos eram trôpegos. Apenas se animou pela perspectiva de ter companhia em sua falsa comemoração.

Quando ele percebeu que as pessoas que vinham em sua direção possuíam algo de errado era tarde demais. Ele tentou levantar-se, porém suas pernas não responderam. Sua companheira de longos anos havia lhe traído a bebida estava cobrando seu preço.

Ele caiu com força no chão cimentado. Seu nariz começou a sangrar, uma nódoa vermelha começou a se forma no chão. Seu sangue lustroso brilhava.

- Mas que droga – Ele disse tentando ficar de pé – Mas nunca mais seu corpo se ergueu.

Os mortos vivos arrancam suas vísceras, como lobos em cima de sua presa. Ele gritava, mas ninguém veio em seu socorro. Sua língua estava pesada, e ele proferia palavras desconexas em busca de ajuda.

Por trás de seu lamento o barulho alto persistia. Uma voz feminina esganiçada gritava a plenos pulmões no aparelho de som.

As criaturas se faltaram, nada sobrou do podre homem que morreu só. Tendo por companhia apenas o som alto. O Réquiem de sua partida. 

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