56 - Segurando a mão

364 34 2
                                    



Sobreviventes de Belém

A lua lançava seus fracos raios dentro do abrigo dos três. Era noite, a temperatura estava suportável lá dentro. Tomás refletia se era melhor passar o inferno que eles estavam passando em um lugar como a temperatura igual a que eles estavam ou no frio severo da região sul do país. Por fim decidiu apenas aceitar o destino que lhe fora imposto.

Paulo estava escorado na parede de compensado branca, do seu lado tinha uma garrafa de água pela metade. O homem mordiscava com parcimônia um dos últimos biscoitos de que dispunham, comendo as bordas em pequenas mordiscadas. Seu semblante estava triste. Ao ver o homem como estava Tomás imaginou que ele estivesse pensando no destino que sua família teve.

- Gostaria de poder beber algo – Paulo disse por fim.

Os dois jovens só olharam o homem.

- Não me levem a mal- O homem disse com os olhos semicerrados – mas gostaria de ter um pouco de álcool no sangue pra variar.

- Fique feliz por estar com o sangue no corpo, velhote – Tomás disse.

Paulo deu um leve sorriso, seus olhos ainda estavam distantes, seu corpo estava ali, mas sua mente estava a muitos metros distantes de kára de Tomás.

- Não sei o porquê- Paulo disse, colocando a coluna reta na parede- Mas agora lembrei de minha mãe.

Ao ouvir isso Kára entristecesse.

- Acho que, - Paulo continuou – Seja essa noite de lua cheia e de silêncio. – Uma sombra cobria os olhos dele- Eu e minha família morávamos no interior, tudo era bem simples lá, vivíamos com bem pouco, mas foram bons tempos. Em noite como essa, mamãe não acendia as duas únicas lamparinas que nós tínhamos e tudo dentro de nossa casa ficava no escuro.

- Ela nos levava para fora e ficávamos ouvindo ela por muitos minutos contanto histórias.

- Que tipo de histórias? – Kára perguntou.

- De tudo que você pode imaginar- Paulo falou- Ela falava que muitas delas eram verdades, era engraçado que ela conseguia mudar o tom da voz, o que fazia com que as histórias ficasse ainda mais vivas. Mamãe dizia que o que ela contava havia ouvido de seus pais. Mas eu suspeito que muito do que ela falava durante aquelas noites de sua cheia haviam saído na imaginação dela.

- Depois de um jantar simples, que muitas vezes não passava de uma sopa simples, o que ela tinha para entreter nossas mentes e tentar calar nossas barrigas que ainda desejavam mais comida era apenas contar histórias.

- Ela contava história sobre índios que rondavam nossa cidade em busca de vingança contra fazendeiros. Sobre espíritos antigos que habitavam nossa terra antes dos portugueses chegarem, também sobre espíritos que vieram com os escravos nos navios negreiros.

- Aquilo dava medo. Acho que as crianças deste tempo nem conseguiriam aguentar o que nós suportávamos. Mas no fim eram historias que formavam nosso caráter.

- Sei que mesmo passando o que passei e fazendo o que já fiz na minha vida, eu acho difícil de ver, bem antes de esse inferno começar pelo menos, alguém da minha época fazer o que garotos hoje em dia fazem.

- O que passa na mente de alguém que atropela outra pessoa, arranca o braço dela com o impacto e depois joga o membro em um córrego?

- Sabem, acho que no fim nós precisávamos passar por isso de alguma forma – Paulo disse limpando seu rosto com a mão direita – Que destino nós chegaríamos trilhando o caminho em que nós estávamos seguindo?

- Você acha que o que estamos passando é algum tipo de castigo divino ou algo do gênero? – Kára perguntou.

- Isso eu não sei dizer- Paulo falou – Sei que existe algo, além disso, que nós vivemos hoje, que ruim nossa existência seria se depois de viver uns oitenta anos não houvesse mais nada quando nossos olhos fechassem para sempre. Mas quando ser isso um castigo, não sei dizer. Acho que no passado nós por nossa própria conta decidimos largar as mãos do criador. Uma triste escolha se me permitem dizer. Trilhamos nosso próprio caminho, confiamos em nossa filosofia e na ciência. Em bem aqui estamos – Ele abriu os braços em rendição.

- O caminho que nós mesmos fizemos enquanto engatinhávamos acabou ruindo e estamos em queda agora. – Paulo sorriu.

- O que é foi?- Kará perguntou diante do sorriso inesperado no homem.

- É engraçado como nossos erros nos levam rapidamente até o topo, e pensamos que estamos crescendo por nossos próprios esforços sem que ninguém esteja segurando em nossas mãos. E quando menos percebemos estamos caindo...caindo.

- Como Babel?- Tomás perguntou.

- Como Babel – Paulo disse.

- O que você espera daqui pra frente ? – Kára perguntou, Paulo olhava para cima.

- Que um novo caminho se abra para nós – Ele olhou para a jovem, havia lágrimas em seu rosto, mas ele sorria – E que quem sobrar da humanidade escolha seguir o caminho segurando a mão de quem nos criou.

The Walking Dead Sobreviventes do BrasilOnde histórias criam vida. Descubra agora