32- Reflexo

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Hoje

Os dias se arrastavam. Tomás pensava sempre em novas formas para manter-se vivo. Ele viu muitas pessoas passando pela Avenida Almirante Barroso, na verdade qualquer pessoa que quisesse sair do centro de Belém, invariavelmente teria que passar por essa avenida. Muitas pessoas passaram caminhando, infelizmente muitas não conseguiram trilhar a via, foram mortos pelos malditos mortos vivos.

Ele estava novamente em seu posto de observação. Sobre um pequeno edifício que lhe servia de abrigo. Apenas olhando o caminhar dos mortos vivos e vez por outra a fuga de vivos.
Tomás por sorte encontrou um relógio, que de alguma forma lhe trazia sentimentos conflitantes, saudade do mundo que existia, da tecnologia.
Com o rosto suado ele olhou o tão estimado objeto. Nove horas.
Preciso sair e procurar novos mantimentos.

Já jaziam quase vinte dias que Tomás não via ninguém vivo. Apenas carcaças humanas se arrastando pela avenida. O peso da solidão estava o oprimindo com toda a força.

- Mas o quê? – Tomás disse, saindo do seu estupor. Ele achou que tinha ouvido um fraco assobio. Então começou a olhar freneticamente para todos os lados. Primeiro para asa janelas dos edifícios vizinhos, depois para a avenida. Foi então que ele observou atrás de um grupo de pequenas árvores, um reflexo.

Alguém está ali.

Um homem de meia idade saiu do de trás das árvores com um pequeno espelho na mão e caminhou com as mãos para o alto em direção de Tomás. O jovem pegou sua arma e desceu em direção do homem.

Isso pode ser uma estupidez. Mas o que mais posso fazer?

Com o olhar cheio de suspeitas e com sua arma improvisada em riste, Tomás olhou para o homem por trás da grade de proteção do edifício.

- Quem é você? – O jovem perguntou, tentando colocar um tom mais grave em sua voz, porém sem muito sucesso.

- Eu me Chamo Paulo. Faz tempo que não vejo nenhum sobrevivente. Você está em grupo?

- Calminha, eu que faço as perguntas Tomás disse com a voz esganiçada.

- Você tem algum mantimento?

- Tenho sim – O homem que disse que se chamava Paulo disse mostrando sua mochila. De fato ele tinha bem mais coisas que Tomás. O jovem ficou tentado com a fartura de suprimentos do homem.

- Você não tem um grupo? – Tomás disse.

- Não desde que a droga toda foi pelos ares eu estou só. Encontrei algumas pessoas, mas elas foram estúpidas o suficiente para cometer erros e acabaram morrendo.

- Sei como é. Também vi muitos malditos estúpidos morrerem.

- Você não sabe como é reconfortante ver o rosto de alguém vivo.

- Sei – Tomás disse, sentindo o mesmo. Porém tentando esconder o que sentia.

Tomás olhou a avenida e decidiu abrir a grade que separava os dois. Depois que o homem entrou Tomás tornou a fechar a barreira.

- Você tem água? – O homem disse – Como é mesmo seu nome?

- Tomás – O jovem disse depois de ponderar se falava seu nome ou não.

- Tenho, fique aqui que eu irei trazer um pouco para você.

- Muito obrigado, Eu consegui obter comida, mas água não é algo tão fácil de encontrar – Dito isso Paulo sentou pesadamente no hall de entrada do edifício.

*

-Toma – Tomás disse jogando uma garrafa de água mineral ao homem. Este avidamente sorveu o conteúdo da garrafa.

- Vai com calma aí cara – Não tenho muita mais que isso.

- Oh, desculpa. Mas eu estava precisando me reidratar.

- Fica tranquilo. Só aproveite mais na próxima.

- Certo.

-Pega – Paulo disse jogando uma barra de cereal a Tomás. O jovem pegou o pacote com um movimento rápido e sentou-se de frente para o homem em uma gasta cadeira de vime.

- Faz tempo que você esta aqui? – Paulo perguntou.

- Faz um tempinho sim. E você? Não procurou um abrigo, ou ficou só vagando por aí?

- A princípio sim. Mas quando as coisas começaram a ficar menos caótica decidir ir em busca de minha esposa e filhas – O homem disse com a voz meio embargada.

- Entendo. E Elas estão longe daqui?

- Nossa casa ficava em Ananindeua.

- Tem uma boa distância até lá.

- Tem sim. Mas não vou mais esperar. Já fiquei muito tempo esperando.

Será que elas ainda estão vidas? Tomás pensou.

- E você? – Paulo perguntou – Tem família?

- Tenho sim. E por coincidência também moramos (Ou morávamos?) Em Ananindeua. Minha mãe e meu pai.

- Sei.

- Por estupidez eu decidir ir para a aula na faculdade, e não consegui mais voltar – Tomás falou e comeu o ultimo pedaço da barra de cereal.

- Também não consegui voltar como você vê (Mas não fiquei longe por um motivo tão nobre como o seu rapaz ).

- Se você quiser tenho mais barras aqui.

- Está bem, obrigado. Meio que já estou aprendendo a viver com racionamento. Mas mais tarde com certeza irei quer.

- Tudo bem. Este mundo de merda está fazendo isso conosco.

- Mas será que estava tão diferente assim, antes do vírus? – Tomás disse pesaroso – Pensa só, não existiam mortos vivos como agora, mas mesmo assim existiam pessoas que devoram as coisas das pessoas, como os políticos. Aqueles desgraçados de certa forma devoravam a vida das pessoas.

- Nunca tinha parado para pensar nisso desta forma.

- Tenho pensando bastante. Tempo é o que mais temo agora. Tenho umas anotações. Se você quiser posso lhe mostrar.

- Claro. Mas agora só quero poder descansar um pouco se você não se importar.

- Fique à vontade. Irei observar a avenida. Quem sabe alguém mais pode se juntar a nós no jantar.

- Não seria uma má ideia. Há milênios não faço uma refeição com alguém – Dito isso Paulo se esparramou em uma cadeira de espaldar do local.


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