23- Quebra-cabeça

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A barriga de Hana está assombrosamente ativa, emitia longos roncos. Até Angeline que estava do seu lado pôde ouvir os sons que a barriga de sua amiga fazia.

Hana olhou envergonhada para sua amiga.

- Fica fria, também estou assim. Só não estou dando espetáculo como você está.

As duas olharam para o centro do aposento em que estavam. Lá estava o jovem chamado Matheus, ele cuidava de um ensopado que borbulhava sobre a fogueira improvisada que ele havia feito. Mais atrás dele estava Elizabete. A garotinha de grandes olhos azuis que ele tentava proteger há poucos horas.

Os olhos da menina estavam voltados para as chamas que bruxuleavam e cozinhavam as verduras que Matheus possuía. Ela nem notou que Hana e Angelina a observavam.

Depois do momento que tiveram, os quatro quase não tocaram palavras. As duas amigas apenas seguiram o alto rapaz até um local que ele disse ser seguro para passar a noite.

- Como você conseguiu esses legumes? – Angelina perguntou.

- Não fui eu, foi a Bet, próximo daqui nós, bem ela encontrou uma horta e para nossa sorte encontramos ótimos vegetais. Estes aqui já são os últimos infelizmente, por isso estávamos tentando ir para outro local. Tudo hoje em dia trata-se de encontrar alimento.

- Faz muito tempo que não comemos algo tão fresco – Hana falou.

- Fico feliz em poder compartilhar nosso alimento. E ainda mais com pessoas que nos ajudaram. Já encontramos muitas pessoas que nos encontraram em situações parecidas com a que enfrentamos hoje, e elas fingiram que não haviam nos visto e seguiram o seu caminho. Mas vocês – Ele tirou o olhar da refeição e olhou as duas amigas – vocês foram o ponto fora da curva. O mínimo que nós poderíamos fazer era compartilhar o que nós temos.

Ele voltou sua atenção para a o ensopado.

Após alguns minutos Matheus serviu primeiramente a Bet e depois Hana e Angenile.

O estômago de Hana se aqueceu e ela aproveitou cada partícula do sabor da comida que estava comendo.

- Ela é parede sua? – Hana perguntou.

- Bem, não longa história – Ele falou e olhou Bet. Hana entendeu que havia uma história de sofrimento que envolvia a garota e não mais insistiu na pergunta.

Depois que terminou de comer Bet pegou uma gasta mochila rosa e tirou lá de dentro um cubo mágico. E com rapidez movia cada uma das peças. Não durava nem dois minutos para que ela montasse o puzzle. Assim que terminava ela embaralhava as peças e começava uma nova montagem. Ela ficou assim. Matheus olhava pela janela a movimentação da rua. Sempre atento.

A fogueira já estava mais fraca, Bet enfim dormiu com seu cubo mágico em suas mãos. Matheus saiu do seu posto de vigia na janela do cômodo e caminhou até a garotinha. Ele pegou um lençol e a cobriu. Ela estremeceu, entretanto logo voltou a dormir em tranquilidade, aparentemente alheia a tudo o que acontecia no mundo que ruía a sua volta.

- Ela tem sorte por ter você – Hana disse. Ele apenas sorriu.

Matheus caminhou até a janela do andar superior da antiga loja de bicicletas em que estavam e sentou-se próximo da chama da fogueira.

- Perdão por não ter falado antes sobre a Bet – Ele disse.

- Eu que peço perdão, posso imaginar que não foi nada fácil pra ela – Hana disse.

- Não foi fácil para nós imagina para uma menina como ela? – Angeline acrescentou.

- Ela era filha da família de um amigo meu. Como vocês podem notar, eu não sou daqui de São Paulo sou de Belém do Pará. Vim para fazer uma prova, eu tinha planos de seguir a carreira militar, e os pais do meu amigo me hospedaram para eu poder fazer a prova, entretanto nem pude fazer a prova, pois rapidamente essa epidemia se alastrou.

Hana e Angeline ouviam Matheus em silêncio.

- Nós ficamos – Ele continuou – alguns dias na casa deles, dos pais da Bet. Era uma casa grande com muros altos, imaginávamos que estaríamos seguros lá, mas as coisas foram piorando e o seu Paulo, o pai dela decidiu que era melhor sair da cidade. Eu também achei uma boa ideia, mas infelizmente tomamos a decisão tarde demais. Ficamos presos em um engarrafamento enorme e um ataque de mortos vivos caiu sobre as pessoas que estavam na avenida e todos saímos do carro em busca de abrigo.

Uma sombra ficou sobre o rosto de Matheus enquanto ele contava a sua história de sobrevivência.

- A pobre da senhora Maria nem pôde se afastar da avenida um moro vivo atacou ela, Bet estava nos braços de seu Paulo e viu a mãe dela cair e ser morta pelo maldito morto vivo. Só tive tempo para pegar uma barra de ferro que estava no acostamento e ataquei o desgraçado. Infelizmente nada poderia ser feito por ela. Eu a tomei em meus braços ela disse para eu tomar conta da Bet.

- E seu amigo? – Hana perguntou.

- Eu fiquei na casa dos pais deles, mas ele morava em Belém. Ele se mudou para lá tem uns anos.

- Ah sim- Hana disse.

- O que aconteceu com o seu Paulo? – Angeline perguntou.

- Dois dias depois – Matheus falou taciturno – Uma horda de mortos vivos nos atacou só pude salvar Bet, desde então são apenas nós dois. E tenho feito de tudo para poder salvar ela. Bet é uma garota forte, já passou por muita coisa. Ela tem segurado firme a barra, e tem me ajudado a ficar vivo também. Como falei pra vocês foi ela que encontrou a horta.

- Ela faz explorações sozinha? – Angelina perguntou espantada.

Matheus sorriu.

- Não, não – Ele disse – Estávamos andando e ela viu que um grupo de pássaros estava em uma casa, ela me falou que devia ter frutas ou algo assim lá dentro. Nós entramos e ela estava certa.

- Ela é mais esperta do que pensei – Hana disse sorrido.

Os três ficaram olhando a menina por alguns instantes.

A noite avançava e vez por outra um morto vivo emitia um gemido gutural. E os três ficavam em alerta.

- O que vocês acham que provocou tudo isso? – Matheus perguntou para as mulheres.

- Cheguei a pensar em alguma arma biológica – Angeline pensou. Mas acho não pode ter sido isso. Até onde pude ficar informada todos os países do mundo estavam com casos. Será que algum país seria idiota o suficiente para lançar um ataque sem ao menos ter um antidoto?

- Um país não. Mas quem sabe terroristas? – Hana disse – Os malucos do Estado Islâmico não mediam esforços para disseminar o medo.

- Terrorismo, é possível – Matheus disse – Mas, Espero que em algum lugar alguém esteja trabalhando para encontrar um cura. Vocês acham que essas pessoas que foram infectadas podem voltar ao normal?

- Acho que não – Hana disse pesarosa – Não é apenas algo que envolva a mente das pessoas, seus corpos também vão apodrecendo no processo. Se alguém estiver buscando uma cura, uma vacila sei lá. Deve ser para evitar que quem as pessoas sejam contaminadas.

- Você tem razão – Matheus falou – Já vi alguns mortos vivos apenas se movendo com a cabeça e o tronco, como alguém assim poderia ser curado e voltar ao normal?

A pergunta ficou no ar.

- Isso tudo é um grande puzzle um quebra-cabeça – Angeline disse – Como o que Bet estava resolvendo mais cedo e oro para que alguém esteja juntando as peças.

Após conversarem mais um pouco os três acharam por bem irem dormir. Hana e Angeline rapidamente pegaram no solo. Matheus ficou ainda desperto em vigília.

Seu coração ficou triste pelos que se foram. Entretanto novas forças surgiam pela possibilidade de dar um futuro aos que ainda estavam com ele.


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