DEPOIS DO FIM Part II

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Um conto de AllanaCPrado

...Continuação

-Que maneira?? - Eu devo ter interrompido a doutora, mas só o fato de saber que haveria outro jeito de tratarmos essa doença, me fez ficar agitado.

-Nós vamos tentar o transplante de medula. Você possui pais ou irmãos? - Perguntou a ele. - As chances da medula de um pai ou uma mãe ser compatível com a de um filho é pequena, mas podemos tentar. O ideal seria mesmo a medula de um irmão.

-E...Eu não sei por onde anda minha família.

Nós nos entreolhamos e instintivamente me aproximei mais dele pra lhe dar conforto. Éramos só eu e ele. A família o pôs pra fora, ainda na adolescência, quando descobriram que ele era gay. Desde então, ele sempre trabalhou, se sustentou e morou em diversos lugares até que nós nos conhecemos e fomos morar juntos. Depois disso, eu incentivei-o a procurá-los, mas eles já não moravam no mesmo lugar e não descobrimos o paradeiro.

-Bem, nesse caso, podemos recorrer ao Registro Nacional de Doadores.

-Isso não é demorado?

-Alguns conseguem mais rápido, outro nem tanto, depende muito da compatibilidade. Eu vou cuidar do registro, quanto mais rápido entramos na lista, mais chances teremos.

Meu coração se acelerou, não de uma maneira boa, ao me dar conta de que todas as esperanças que tínhamos agora dependia unicamente da sorte em encontrar algum doador. E quando a doutora saiu do quarto, eu tentava me segurar pra não desabar.

-Davi... - Era notável o desespero em seu rosto.

-Não. Shiii. Vai dar tudo certo.

Eu garanti, mas foi a primeira vez que eu me permiti chorar, chorei escondido depois que ele dormiu pra que ninguém me visse, chorei até soluçar, assustado diante daquela nova perspectiva. Doía cair na realidade de que eu poderia perder a pessoa que eu mais amava na vida, que era meu companheiro e que lutou lado a lado junto comigo pra ter tudo que temos. Eu não sabia se suportaria isso. O meu Pedro. Recebi um presente da vida, mas não sabia que ele teria prazo de validade e que de uma hora pra outra eu poderia ficar sozinho, somente com as lembranças do que vivemos. Todas as risadas, todos os momentos, todas as pequenas coisas... seria a ultima vez em que eu as teria?
Dois dias depois, quando recebemos alta no hospital pra esperarmos em casa pela noticia do transplante, fomos recebidos por uma Jully muito animada por nos ter em casa de novo.

-Jully, não! Vira lata sem modos. - Repreendi quando vi que ela pulava em cima do Pedro e o desequilibrava um pouco.

-Deixa ela Davi. Ela estava com saudades, né bebê!?

Pegando-a no colo, ele foi se sentar no sofá, dando um longo suspiro depois, pois suas forças tinham se esgotado depois do pequeno esforço.

-Eu vou preparar alguma coisa pra você comer.

Larguei nossas coisas em qualquer canto e fui pra cozinha, era bom estar em casa novamente, embora meu desejo fosse estar lá no hospital, ouvindo a notícia que encontraram um doador. Acabei por preparar uma sopa de legumes e ao julgar pelo cheiro, ficara realmente boa.

- Cadê a Jully? - Perguntei a ele, trazendo comigo uma tigela com o alimento de volta a sala.

-Aparentemente já se cansou de mim.

-Assim que sentir o cheiro de comida ela volta. Agora abre a boca. - Preparei uma colher bem cheia no ar pra ele.

-Você não precisa me dar comida na boca.

-Eu só quero créditos pra quando eu ficar resfriado e precisar de cuidados. - Respondi enchendo mais uma colher.

-Vai dar tudo certo, não vai?
Um fio de esperança surgiu em sua voz, enquanto ele me olhava com amor, medo e tantas outras misturas de sentimentos.

-Tudo vai ficar bem, Macaquinho.
Mas aparentemente o destino estava disposto a nos mostrar que não seria tão fácil.

...

-D...Da... Davi.
Acordei com uma voz fraca me chamando ao longe. Eu não sabia se tinha sonhado, mas no momento em que fechava meus olhos novamente, ouvi um gemido baixo de dor.

-Pedro?

Chamei inutilmente, pois um segundo depois percebi que ele não estava deitado ao meu lado. Levantei da cama num salto ao mesmo tempo em que percebia a luz do nosso banheiro acesa do outro lado do corredor. Pedro! Avancei rapidamente até lá, com a aflição tomando conta, e escancarei a porta, dando de cara com ele no chão.

-E... Eu...

-O que você tem?
Perguntei, me agachando junto a ele e interrompendo suas explicações. Mas não foi preciso esperar pela resposta, pois logo eu vi. Suas mãos estavam cobertas de sangue e eu percebi que a fonte disso era o seu nariz, enquanto seu corpo parecia mais pálido que nos últimos dias.

-Vamos para o hospital.
Entrei em desespero, pegando em seus braços e o impulsionando pra cima, de modo que ficasse em pé apoiado em mim. Seu corpo não possuía calor algum e se eu não estivesse vendo-o de olhos abertos respirando próximo ao meu pescoço, eu iria deduzir o pior.

No caminho, eu falava coisas desconexas e pedia para que ele me respondesse, a fim de ter certeza de que ainda continuava consciente, enquanto dirigia em alta velocidade. Seu nariz não parava de sangrar, deixando a toalha branca que eu havia pegado totalmente manchada e me deixando cada vez mais nervoso, pois não sabia o que fazer e o caminho parecia nunca ter fim. Não sabia o que estava acontecendo, apesar do seu estado ser delicado, ele estava razoavelmente bem até então. A menos que seu quadro tivesse piorado...

Não esperei muito e não me lembro nem se ter desligado o carro quando chegamos ao hospital, peguei na parte interna da sua perna com uma mão e a outra foi parar em suas costas, levantando-o rapidamente e o levando pra dentro. Expliquei vagamente o que aconteceu a umas das enfermeiras e agradeci quando ela pareceu entender e logo uma equipe de médicos apareceu pra dar apoio.

-Hemorragia, R04 e D62. Paciente tem leucemia.

Eles falavam uns aos outros naquela linguagem que eu não entendia nada, queria pedir por mais informações e que eu pudesse entender, mas minha voz não saiu e logo eles já haviam desaparecido pelos corredores levando o amor da minha vida. Talvez levando pra sempre.

CONTINUA...

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