De Quem É Este Conto?

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REMIÇÃO

Aquele dia vinte e nove de junho jamais seria esquecido na escola Machado de Assis. Era um dia muito triste, chuvoso, o dia do falecimento do dono, diretor e professor Tércio Vilar. Muito querido por todos, ele ia fazer muita falta. Sua esposa Amália e seu filho único, Anselmo, estavam inconsoláveis. Um grupo de professores antigos cuidou de tudo para o funeral, que recebeu inúmeras coroas de flores e uma pequena multidão para acompanhar o cortejo. Era uma perda imensurável, ele ajudou e aconselhou a muitos em todos os anos de sua vida profissional.

Ao fim de tudo, restava o cansaço de um dia muito sofrido e a sensação de solidão na viúva e no filho. Alimentaram-se sem vontade depois da insistência dos parentes, tomaram banho e tentaram descansar um pouco. Em uma semana começaria o segundo semestre letivo. Amália assumiria a diretoria sozinha, por enquanto, e continuaria a dar suas aulas, coisa que amava fazer. Ao Anselmo cabia a parte mais desafiadora: Preparar-se para o vestibular, já que cursava o terceiro ano do ensino médio. Um grande sofrimento e um grande desafio ao mesmo tempo. Como conciliar os dois? Como tirar da cabeça a partida tão repentina de seu pai e concentrar-se para os estudos necessários ao vestibular?

Após uma semana em que se manteve isolado em casa - não queria ver expressões de condolências nem conversar com ninguém, precisava desse tempo apenas para si e sua mãe – preparou-se para a volta às aulas. Agora já achava bom ter que voltar, quem sabe a rotina o ajudasse a pensar menos na vida incompleta que teria a partir de então. Passou a estipular seus afazeres e como dividiria seu tempo, pretendia ocupá-lo o máximo possível. A mãe já tinha voltado ao trabalho, mulher forte, batalhadora e que tinha que ultimar algumas coisas e deixar tudo perfeito para a volta de seus alunos no dia cinco de julho. E o mais difícil para ela era ter que contratar algum professor para substituir seu amado marido, que lecionava português e literatura às turmas de terceiro ano.

Tudo estava caminhando relativamente bem, até o dia em que deveria ser aula de seu pai. Nesse dia, Anselmo, que costumava sentar na primeira fila de cadeiras, sentiu necessidade de trocar de lugar com alguém e sentar na última, só nesta aula. Quando estava pegando suas coisas, o professor substituto entrou na sala, mas isso não fez com que ele desistisse de mudar de lugar. O professor aguardou que todos se acomodassem e se apresentou.

— Boa tarde, turma. Sou o Dimas Medeiros, estou aqui a pedido da diretora Amália para acompanhar e auxiliar vocês para o vestibular. Nestes últimos dias vi o conteúdo que vocês já estudaram e o que ainda falta. Quero dizer que estou ao dispor de vocês para o que precisarem, em qualquer coisa que eu possa ajudar, certo?

E a aula começou. À medida em que o assunto era dado, a angústia em Anselmo crescia. Aquele conteúdo era dele, seu pai. O método de ensino era tão diferente... Aquilo foi demais para ele. Coração acelerado, olhos inundados de lágrimas, levantou e saiu da sala. Passou direto à sala da diretoria, agarrou-se com a mãe e pôs-se a chorar. Nem em casa, local onde vivia com ele, sentia sua falta de forma tão intensa. Era como se o professor e o conteúdo se fundissem em um só, fossem parte de um mesmo ser. Permaneceu na sala da mãe durante muito tempo, esperando acalmar-se e parar de tremer.

Sua mãe, quando o viu mais calmo, disse que precisava sair um pouco e que ele poderia ficar ali o quanto quisesse. Quando estava quase saindo para ir à biblioteca, o professor Dimas entrou na sala. Anselmo ficou olhando para ele constrangido, envergonhado por ter saído daquela forma da sala, era muito bem-educado e nunca tratava mal as pessoas. Imaginava que não tinha sido fácil para o professor presenciar uma reação como a sua no primeiro dia de trabalho. E foi neste momento que ele falou.

— Perdoe-me, professor. Não quis ser rude com o senhor... Nem quando mudei de lugar nem quando saí. Nunca foi minha intenção mudar no momento de sua entrada, aquilo foi uma afronta e eu lamento.

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