Bia, o estagiário e eu

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Bia, O estagiário e Eu
Por H_Silva

A maioria das meninas se interessa pelos caras calados e de olhar profundo, misteriosos, de rostinho bonito, com um "Q" especial de garoto mau, e assim que acabam com o coração partido. Eu não era diferente da “maioria”, aos dezessete anos já tinha tido uma bela porção de paixonites, todas secretas porque eu era simplesmente tímida demais. Não mudei muito com o passar dos anos, aos dezenove, quando entrei na faculdade continuava tímida e retraída, embora já tivesse uma ou outra experiência, continuava refém das minhas paixonites silenciosas.
Mas nenhum dos caras por quem tive alguma quedinha em algum momento da vida, fez meu coração bater tão forte quanto o estagiário novo da biblioteca. Ele começou a trabalhar numa época muito diferente da habitual, rodeado de boatos, diziam que estava ali prestando serviço comunitário por ordem do juiz, algo relacionado a porte ilegal de arma de fogo, ou estava em condicional e trabalhava meio período para dormir num albergue para presidiários.
Ele era enigmático, estava quase sempre de preto, nunca olhava nos olhos das pessoas, quase não falava, isso irritou bastante a bibliotecária por um bom tempo, porque o silêncio dele, chegava a ser grosseiro. Quando um aluno ia pegar algum livro emprestado, ele simplesmente empurrava o caderno de assinaturas para a pessoa, sem nem ao menos preencher os campos obrigatórios com informações do livro em questão, sem dizer uma única palavra. Definitivamente ele não devia estar atendendo ao público. Era incapaz de cumprimentar as pessoas, só sabíamos o nome dele, por que tinha no crachá, se chamava Talisson.
Eu realmente não me incomodei, quando ele repetiu o comportamento grosseiro quando fui fazer uma devolução. Eu era uma rata de biblioteca, conhecia todos os procedimentos e protocolos de tanto tempo que ficava enfiada lá, mas por alguma razão que até hoje não compreendo, minha boca disse aquilo.

-Esse é o caderno de doações de livros, eu estou devolvendo um.

Ele nem olhou para mim, apenas cruzou os braços e percebi que ficou irritado, isso me fez rir por dentro, só por dentro mesmo. Devolvi o caderno errado para o lugar no balcão e puxei o certo, coloquei na frente dele.

-Esse é o caderno certo, viu, tem a etiqueta “empréstimos” – confrontei, passando por cima da minha timidez, sendo o mais educada possível.

Ele olhou para mim pela primeira vez, tinha lindos olhos castanhos, acenou afirmativamente de um jeito bem discreto e pronto, não fez mais nada. Acho que peguei corda.

-Você tem que procurar meu empréstimo e marcar a devolução – insisti, empurrando o caderno para ele.

Talisson suspirou, pegou o maldito caderno e procurou até encontrar, pelo título do livro, nem fez questão de perguntar meu nome, acho que para não falar muito comigo. Quando achou, leu e releu as informações todas, eu sabia que estava tentando entender meu nome, era bem exótico, era uma reação comum nas pessoas.

-Pronto – falou enfim, assim que marcou a devolução ao lado da minha assinatura.

Fiquei até surpresa, mas entendi o motivo da mudez malograda da primeira semana dele ali na biblioteca. Ele estava rouco, não uma rouquidão qualquer, estava tão rouco que voz saía bem baixinha e até falhava.

-Obrigado, quer um dica? Mantém o livro de empréstimos em cima dos outros, é o que mais você vai usar.

-Valeu – só saiu o “va”, por que o resto da palavra sumiu, percebi que ele ficou um pouco sem jeito e achei melhor deixar ele em paz.

Quando sai da biblioteca não acreditei na minha ousadia, eu fui tão abusada, ao meu ver. Eu tinha ensinado o cara novo a fazer o trabalho dele. Fiquei imaginando se tinha passado dos limites, mas fiquei contente comigo mesma.
Foi impossível ficar longe da biblioteca, embora eu frequentasse muito antes mesmo dele chegar, comecei a ir todos os dias, emprestava um livro, lia todo assim que chegava em casa, só para devolver no dia seguinte e pegar outro, para poder ter uma desculpa de falar com ele.
Eu tinha ganhado mais uma paixonite secreta.

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