Ano de 2005
— Obrigada — agradeço quando Jerome pousa uma xícara de café quente na minha frente, sobre a mesa.
Ele dá meia-volta e coloca seu pires com a xícara sobre a superfície de madeira polida, e puxa uma cadeira para se acomodar. Estamos sentados à uma mesa na calçada, em frente a uma modesta cafeteria perto do centro da cidade. Ainda não posso acreditar que aquele perseguidor sorrateiro me levou para tomar um café como se nada de mais tivesse acontecido.
Mantenho os olhos baixos enquanto reúno forças suficientes para segurar a xícara refinada sem tremê-la sobre a porcelana. Não me sinto realmente bem. Quero dizer, se ele apenas parasse de olhar para mim daquela maneira tão óbvia, eu me sentiria muito melhor.
— Então, acho que podemos começar falando sobre por que achou que precisava roubar minha carteira para ser alguém mais feliz na vida — Jerome quebra o silêncio.
— Moro no Vale do Inferno — digo, achando que isso já responde muita coisa.
Sirvo-me de um gole quente de café, que me deixa mais ativa para conversar. Ele olha para mim sem entender. Reviro os olhos, pois sei o que está tentando fazer.
— Ok, pode parar com o fingimento. Não vai me enganar fazendo essa cara de como se não soubesse do que estou falando.
— Não entendo. Deveria estar agindo como se estivesse surpreso?
— Eu disse que moro no Vale do Inferno — repito, fazendo ar de obviedade, e o homem apenas me olha, esperançoso, como se estivesse esperando eu contar o resto da história.
— Legal. O que mais?
— Legal? — Pisco, incrédula. — Você não sabe o que é o Vale do Inferno?
— Imagino que um bairro como qualquer outro, certo?
— Não. — Balanço a cabeça. — Quero dizer, sim. Mas não.
Jerome se ajeita sobre a cadeira, subitamente curioso.
— Agora me deixou confuso de vez. Sim ou não?
Pouso a xícara sobre o pires, incapaz de esconder meu descrédito por sua falta de informação.
— Meu Deus, você não lê os jornais? Não assiste a noticiários? Em que mundo você vive?
Ele cai na gargalhada do nada. Seu sorriso é fantástico, com dentes brancos e covinhas que o deixam com uma aparência mais jovial e relaxada quando estão à mostra.
— Acho que esqueci de contar um pequeno detalhe sobre mim — diz, fazendo uma careta. — Já faz alguns anos que não moro em solo americano. Portanto, não sei exatamente o que esteve acontecendo com o país ou com minha cidade enquanto estive ausente.
É claro! Até onde pude ouvir, ele retornou da Inglaterra faz pouco tempo. Como pude esquecer isso?
— Mas você nunca ouviu falar sobre o Vale do Inferno? — insisto, sorvendo outro gole da cafeína. O projeto de urbanização não é tão velho assim.
— Acredito que não. — Jerome franze as sobrancelhas. — Ao menos não me lembro de nenhum bairro com esse nome durante minha infância. Poderia me atualizar sobre isso?
Lambo os lábios para tirar os vestígios úmidos de café. Quando pouso a xícara novamente sobre o pires, flagro-o acompanhando a ponta de minha língua com os olhos. Isso me deixa tão desconcertada que procuro fazer o que sei fazer de melhor: falar.
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Ás de Copas [COMPLETO]
ChickLit[+18] Shortlist do Wattys 2018. 🎖História destaque de suspense pelo perfil @WattpadSuspenseLP em novembro/2019 "Será que existe perdão para todos os erros que você comete?" AVISO: este livro tem conteúdo sensível relacionado a uso e abuso de drogas...