Ás de Copas [COMPLETO]

4. A verdade nua e crua sobre o amor

Você cometeu erros. Muitos, eu diria. Se fosse registrar todos no papel, daria um belo pergaminho cheio de pecados. Fez coisas que nem em um milhão de anos se imaginou fazendo, como bancar os vícios dela, por exemplo. Você era imprevisível até para si mesmo (talvez ainda seja um pouco), uma bomba-relógio que podia explodir a qualquer instante.

Quando chegou o momento, você explodiu e chegou à conclusão de que foi até onde deu para ir. Você desapareceu e depois reapareceu. Você dizia para si mesmo que só estava ali porque queria torturá-la por ter traído sua confiança e seus sentimentos, mas nós dois sabemos que não foi bem assim.

Não é mesmo, Jerome?

Essa é para você. As coisas que direi aqui são coisas que você devia ter repetido a si mesmo nos momentos em que a culpa era pesada demais para suportar.

Você se lembra das desavenças que teve com ela? Das brigas? Das idiotices que já falou? De toda a chantagem emocional? De todo o abuso? Eu aposto que você lembra. Coisas assim não são fáceis de serem esquecidas.

Você esperou e ansiou tanto por essa experiência magnífica com uma pessoa que quando a Ellie veio, você não conseguiu simplesmente largá-la. Não foi capaz de ignorar a química intensa entre vocês dois. Isso não é algo que está à venda em qualquer lojinha na esquina, por isso mesmo é tão difícil de encontrar e tão dificultoso de abrir mão quando se torna preciso. Uma vez que você já provou o "excelente", você não vai ficar querendo o "bom" para sempre. Sabe por quê? Em algum momento, ele deixará de te satisfazer, e é por conta disso que você termina se agarrando com unhas e dentes à experiência que atualizou a sua definição de excelente.

Ellie Banks foi a sua experiência inesquecível, não foi? Apesar das coisas ruins no relacionamento de vocês, os bons momentos foram eternos naquele intervalo de seis anos sem vê-la.

Você viu o seu grande amor se afogando no mundo das drogas e quase se prostituindo para poder continuar se drogando mais. Eventualmente entrava em desespero, ainda que não permitisse que isso fosse mostrado na frente dela.

Você queria salvá-la, eu entendo. De verdade. E acho digno de reconhecimento que ela também tenha querido salvar você quando mais precisou dela. Mas saiba que nenhum dos dois tinha a obrigação de resgatar o outro de suas mazelas e ser a tábua de salvação. Essa ideia de que o amor cura tudo é um perigo. Não era dever de ninguém ser o herói ou a heroína daquela relação conturbada e decadente. Só que acho que, em alguns casos, é isso o que acontece quando se gosta tanto de alguém: você se vê empreendendo esforços para proteger quem ama, às vezes sem nem ter uma consciência completa disso. Toma decisões que não necessariamente são as certas quando analisadas sob um ponto de vista racional e distante; mas que no momento do desespero, foram as que lhe pareceram apropriadas e possíveis de fazer acontecer.

O que seria da vida se não fossem as complicações, não é verdade?

Mas não são as coisas feias, as brigas ou as discussões o que quero recordar aqui. Quero me lembrar do início e de como você e ela estavam apaixonados. De como havia aquela inocência sobre conhecer o outro e explorar um território desconhecido até então.

— Pare.

Você não tinha notado que estava embaraçosamente muito concentrado na figura dela, até Ellie ter chamado sua atenção.

— Parar com o quê?

— Pare de me olhar assim — ela pediu e sorriu distraidamente quando voltou a montar o quebra-cabeça no chão da sala do apartamento que você inicialmente alugou só para poder passar um tempo com ela, longe das críticas mordazes da Sra. Carver.