Capítulo 27

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Ano de 2007

Sem piedade para os dependentes. Nem mesmo de um viciado para outro. Devíamos funcionar como alguma espécie de fraternidade, já que compartilhamos o mesmo sentimento que nos leva para o fundo do poço.

Não. Sem piedade. Dinheiro é dinheiro e fornecedores são uns filhos da puta porque sabem que dependemos do que têm para oferecer. Estou enraivecida e começo a gritar como uma descontrolada quando descubro que Quentin não quer mais me vender fiado.

Eu e Jerome estamos ficando sem dinheiro. Ele está trabalhando meio período em um posto de lavagem e aprendeu por bem ou por mal os ofícios de um encanador, a fim de custear os gastos com o apartamento. Ele atende a qualquer hora, em qualquer momento. Eu supostamente deveria estar recepcionando o salão de beleza da Sra. Wilson, mas estou aqui, no Vale do Inferno, discutindo com Quentin.

Provavelmente já estou demitida do meu décimo segundo emprego. Grande surpresa.

Foda-se.

— Seu idiota! — Cuspo saliva na cara de Quentin e dou um tapa forte nele.

Minha raiva tem sido muito mais fácil de ser ativada ao longo dos últimos tempos.

— Vai pagar por isso, sua vadia! — Sou empurrada com tudo para trás e caio de bunda no chão.

Ninguém precisa me dizer, minha vida é uma merda. Cresci numa merda e, com o tempo, eu só fiz a merda ficar maior. Você colhe o que planta, não é como dizem? Mas e quando você não tem a escolha de plantar? E quando você não tem nem mesmo as sementes, porque elas já foram roubadas de você há muito tempo? Ninguém nunca previu esse lado da história? Sério?

O inferno está chamando. Ouço-o me seduzir em cada dia de minha vida. Eu ouvi o diabo uma vez. Ele estava rindo de mim quando meus suprimentos acabaram.

— Escuta aqui, sua viciada de merda — ele aponta para mim —, você tem uma semana. Só mais uma semana e então eu prometo que vou cortar essa sua garganta.

Ao longe, vejo uma cabeça de cabelos negros despontar no fim da rua. Ele está sem fôlego, como se tivesse acabado de correr uma maratona, e usa uma farda verde que o deixa sexy como o inferno.

— Ellie! — ele grita. É uma ordem para que eu pare.

Mas eu não paro. Estou com tanta energia violenta aqui dentro que preciso externar as coisas ruins que me consomem diariamente. Voo para cima de Quentin sem pensar nas consequências. Mordo sua mão, dou chutes em suas pernas e acertaria suas bolas, se não fosse eu ser jogada com brutalidade para trás.

Choco a cabeça contra a parede. Fecho os olhos, gemo de dor e cerro os punhos.

— Ellie! — Ouço o grito longínquo. — Pare! Pare agora!

É Jerome. Ele está correndo na minha direção, e, mesmo atordoada pela pancada na cabeça, consigo identificar o desespero e a decepção em seus olhos. Ele me odeia. Sei disso. Estraguei mais uma vez as coisas entre nós.

Um brilho prateado chama a minha atenção quando Quentin move o braço para frente do corpo. É uma lâmina grande e afiada.

Tudo em seguida se move em câmera lenta.

Dou um passo para trás, completamente assustada. Atrás de mim, a parede me encurrala de novo. Sem saída. A faca é apontada na minha direção e vem com tudo para fatiar minha carne. Algo, porém, se põe entre eu e Quentin. Ouço um grito. É alto e perturbador, mexe com todas as minhas entranhas. Crio coragem suficiente para olhar e perceber que é Jerome que está na minha frente, envolvendo-me com seu corpo como uma barreira protetora.

Ás de Copas [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora