Capítulo 18

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Ano de 2006

— Está com aquele olhar de novo — acuso, sorrindo em seus lábios ao beijá-lo. — Com o que está preocupado?

Jerome esteve muito pensativo durante os últimos dias. É estranho esse comportamento vir dele e por alguma razão acho que pode ser preocupante. Algo que não está me contando, talvez.

— A Sra. Carver descobriu que estou bancando seus vícios — ele, enfim, expõe o assunto de sua aflição, fitando o nada. — E veio aqui ontem para me dar duas escolhas: ou eu continuo sem você, ou eu continuo com você, porém sem o suporte dela.

Eu me sento no sofá ao lado dele, desolada por vê-lo tão melancólico. Dou alguns beijinhos em seu pescoço para alegrá-lo. Jerome, porém, continua inerte como um boneco sem vida.

— Vou ter que repetir a maior parte das matérias desse semestre porque não consegui nota suficiente para ser aprovado.

— Vai conseguir. — Sorrio e acaricio seus cabelos.

Seus olhos estão completamente destituídos de brilho quando me fitam.

— Não, não vou, Ellie. Se eu continuar desse jeito, vou ter que trancar o curso antes que seja expulso da faculdade por ser tão incompetente.

Eu o solto, pois sinto que não está no clima para meus carinhos. Tiro uma nota enrolada da minha carteira e me inclino para a mesinha de centro para cheirar uma carreira grossa de pó.

— Por que continua usando essas coisas? — ele questiona, desesperançoso. — Eu me sinto um bastardo por estar incentivando-a e cedendo aos seus caprichos.

Dou de ombros e coço o nariz enquanto estou fungando.

— O bagulho é bom. Deveria experimentar. — Ofereço o tubinho de papel. — Quer?

— Não quero experimentar nada. Isso faz mal. — Jerome empurra minha mão para longe. Acostumado ao meu vício, já não ouço mais nenhum pingo de censura em sua voz. — Como estão as coisas na sua casa?

Fecho a cara para ele. Ele tinha que tocar no assunto.

— Não quero falar disso.

Pega a minha mão com a sua e a beija todo romântico.

— Às vezes eu só queria que conversasse comigo. Quase não temos nos falado direito. Você sai no meio da noite do meu apartamento e não sei quando voltará. Então, quando eu acordo no dia seguinte, encontro você apoiada em seus cotovelos sobre a cama, sorrindo para mim. — Ele faz eu me virar de costas e seus dedos vão para a beirada de minha blusa para levantá-la. — Voltou com esse corte enorme costurado ontem à noite. — As pontas de seus dedos tocam os pontos que levei com linha preta pela enfermeira. — Por que não fiquei sabendo que esteve no hospital?

— Não queria preocupá-lo — resmungo e baixo a blusa.

— Nunca sei o que está acontecendo com você. Juro que tento, mas não consigo te entender. Está se afundando em coisas que vão acabar causando sua morte. E eu não quero que nada disso aconteça, pelo contrário, eu...

— Argh! — Levanto-me num pulo. — Que conversa melosa. — Giro o rosto para fixá-lo. Sei exatamente o que dizer para atingi-lo. — Será que você poderia não ser tão filhinho de mamãe? — Assisto suas linhas faciais se endurecerem. — O quê? Ofendi você? Oh, desculpe! Não havia percebido, que descuido o meu! E agora, o que faço para me redimir? Sabe como é, não consigo dormir com a consciência pesada...

Jerome é um poço de silêncio. Jamais foi violento comigo a ponto de me bater, mas, nesse momento, está me olhando como se quisesse me esganar. Caio no sofá para começar a me drogar, dessa vez, sem hora para terminar. Preciso afastar toda a dor. Necessito da minha morfina. Só assim consigo ficar de pé.

Jerome toma das minhas mãos a nota de dinheiro enrolada antes que eu possa cheirar a cocaína. Sem pensar, ataco-o e sou imobilizada com muita facilidade. Tenho perdido alguns quilos ultimamente. Estou perdendo peso e ficando magra e fraca demais.

Meus braços são contidos. Revoltada, começo a me debater, a chacoalhar as pernas e bato o pé contra a mesinha de centro sem querer. Dou um grito de dor, aperto os olhos, e sem controle algum sobre minhas emoções, começo a chorar baixinho.

— Ellie — chama com a voz branda. — Olhe para mim. — Beija a ponta de meu nariz. — Me escute.

— Não. — Soluço sem parar. — Não quero ouvir você. Não quero olhar para você. Se não está comigo, então não está por mim, Jerome.

Ele estanca e eu abro os olhos, por fim. Juro que não quis dizer isso, ou fazê-lo pensar nisso. Mas é mais fácil fazê-lo ceder quando o coloco frente a frente com suas inseguranças. Sou uma cretina manipuladora e tenho certeza de que não vou para o paraíso. Nem em meus sonhos mais doces.

— Você não é obrigado a ficar comigo — continuo sem olhá-lo. — Sabe disso, não sabe? Posso arrumar minhas coisas e ir embora agora mesmo. Vou facilitar a sua vida para que possa dar a resposta à pergunta da Sra. Carver.

Ouço-o exalar em pânico perto de meu rosto.

— Golpe baixo, Ellie — me incrimina e eu me encolho. Quando olho para cima, percebo que está tão fragilizado quanto eu. — Você sabe que eu seria capaz de fazer qualquer coisa por você e que, portanto, não posso deixar que se afunde nisso sozinha. Estamos juntos até o fim. Em tudo. Foi uma promessa minha.

Vagarosamente sai de cima de mim e me libera de seus braços fortes. Captura a nota de dinheiro e, chocada demais, assisto-o inclinar o corpo para se chapar na minha frente.

Não. Esse não pode ser o Jerome engomado e bem-educado que conheci.

Ás de Copas [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora