Capítulo 38

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A noite é fria e silenciosa, tomada pela temperatura baixa. Minha respiração sai em nuvens brancas de vapor à minha frente. Estou sentada no balanço da varanda, enrolada em uma manta, enquanto observo o quieto céu noturno. Está tarde, Jackie está dormindo e mamãe também gosta de ir cedo para cama, de modo que me encontro em um confortável silêncio pacífico.

Eu me encolho como uma bola e esfrego as mãos uma na outra em busca de algum calor. Então, inevitavelmente, meus pensamentos vão para ele...

Já faz um pouco mais de uma semana desde sua partida para a Inglaterra. Conversamos algumas vezes pelo celular e ocasionalmente perguntei como todos receberam a verdade. Ele me contou que os membros da família Carver passaram por uma dura experiência de horror e que ficou se sentindo uma aberração por algum tempo. Disse-me que talvez fosse. Ri nessa parte. Haverá certamente uma séria confusão legal, até ficar provado que Jerome está vivo, e Jameson é que morrera. Entretanto, pelo menos agora as coisas estão finalmente resolvidas. É o que importa, de fato.

Visitei a sepultura de Jameson alguns dias atrás. Estou tão feliz que a Sra. Carver não deu ouvidos a mim e não acrescentou "marido" na tumba de Jerome, que na verdade era a de Jameson. Não consigo deixar de pensar em como teria sido ver a boa bagunça que era os dois irmãos juntos. Como posso sentir falta de algo que nunca tive?

Elevo o queixo, tornando a fitar o céu. Fecho os olhos e penso em um jovem tão cheio de vida quanto Jerome. Uma lágrima rola por meu rosto e a seco com o polegar. Penso em um rapaz perfeccionista, prudente e seguidor da ordem... Sorrio por pensar nele desta forma. Foi a única que chegou até meus ouvidos e é tudo o que posso dizer, levando em consideração que o vi somente uma única vez. A fatalidade levou-o para longe de nós, mas não posso desejar nada além de que, enfim, esteja em casa.

- Jameson Carver, você estará em nossas memórias para sempre... - sussurro, minha voz se perdendo no nada.

Nesse momento, sinto uma presença por perto e viro o rosto para olhar. Na frente de casa, de pé e sozinho, está ele. Jerome. Fiz questão de esperá-lo. Para falar a verdade, eu seria capaz de esperar por ele durante muito, muito tempo de minha vida.

Ansiedade e felicidade percorrem meu corpo ao ver aqueles olhos familiares. Os olhos negros que nunca esqueci. Ele sorri. Eu sorrio. Me desenrolo da manta e, quando menos percebo, estou correndo para ele. Jerome abre os braços, pega meu corpo e me gira no ar, com entusiasmo, rindo junto comigo. Senti sua falta, muito. E posso dizer que, com esses dias sem mim, ele também sentiu a minha, pois agora está distribuindo beijos febris pelo meu rosto enquanto está murmurando carinhosamente as saudades que sentiu de mim.

Nós dois sabemos que não foram saudades por causa dos últimos dias em que estivemos separados. É uma saudade de seis anos, precisamente. São muitos sentimentos envolvidos, acumulados, e não há mais escapatória... Nos perdemos nisso. É a doce entrega do amor.

Lembrando-me do que ainda precisava ser resolvido, levo a mão ao bolso de trás da calça, de onde retiro um envelope assim que Jerome me coloca no chão.

- Você se recorda do dia em que me mostrou as cartas trocadas com Jameson? - Vejo-o acenar com a cabeça, olhando curiosamente para o papel que estou segurando com as duas mãos. - Bem, teve uma que você nunca chegou a receber... Ela apareceu na caixa de correspondência de nosso antigo apartamento alguns dias depois da morte de seu irmão. Foi ele quem a escreveu e estava endereçada a você. - Percebo-o fraquejar com a informação que não esperava. - Nunca tive coragem de lê-la. Não era algo que me cabia fazer e hoje vejo que fiz certo ao mantê-la intocada e guardada comigo durante todos estes anos. Ela precisa ser entregue a você, para que possa lê-la e, quem sabe, encontre o fechamento que está procurando para um assunto como este.

Sem mais palavras, entrego a carta para ele. Em um primeiro momento, Jerome parece não saber o que fazer com ela. Se deveria lê-la ali e agora, ou se deveria deixar isso para depois. Consigo enxergar em seu rosto o quanto tudo aquilo ainda o toca devastadoramente e o destroça, por isso compreendo quando ele opta por enfiá-la no bolso da calça.

Ao erguer os olhos, ele aprisiona os meus.

- Obrigado. - Seu agradecimento ecoa como em um murmúrio. - Isso significa muito para mim.

Continuamos nos encarando por algum tempo até ele contrair as sobrancelhas, parecendo ter más recordações.

- Sofri horrores em cada instante que passei ao seu lado após meu retorno.

- Por que diz isso?

- Porque eu tinha que ser frio, agir como meu irmão agiria, senão você poderia desconfiar. Você me excitava tanto que eu chegava a sofrer. Sem poder fazer nada a respeito, tinha que esconder tudo. Quando sentia que não dava mais, eu brigava com você. Implicava sobre os mínimos detalhes de qualquer coisa que você fazia.

Assinto, levemente humorada após recordar suas implicações com meus gostos musicais quando estávamos na estrada. Isso explica muita coisa. E depois estávamos naquela mansão mal-assombrada, sozinhos... e seu comportamento esquisito de querer se ver livre de mim. Jerome estava preso na própria armadilha.

- Meu mau humor foi um disfarce para ocultar o desejo incontrolável que eu tinha de fazê-la minha - murmura roucamente, seus olhos flamejando para os meus. - De todas as maneiras.

Estremeço com suas palavras. O homem deve ter tido um tempo difícil decidindo a melhor forma de refrear suas paixões. Sem dúvida Jerome foi a bagunça humana do século.

- Pobre Jerome. - Pisco, sorrindo.

Ele sorri para mim, o rosto radiante e iluminado com amor. Seu olhar transparece uma paz e sossego que não o via sentir há muito tempo.

- Pensei sobre sua proposta - diz ele, a expressão agora séria.

Meu coração dispara mil vezes quando me dou conta de que é sobre minha proposta de casamento que está falando.

- E então?

- Sim - responde e toma os lados de meu rosto com as mãos. - Milhões de vezes sim, meu amor. Eu te amo. Amo tudo em você e amo nossa filha.

Sou fitada por um longo instante, antes de dizer, sorrindo:

- Também te amo.

Ele encosta sua testa na minha, olhando-me de perto. De repente estou sendo erguida em seus braços, sem aviso, e dou um gritinho ao mesmo tempo em que estou rindo de sua atitude intempestiva.

Seus braços estão ocupados me segurando. Com uma mão em sua nuca, eu aproximo o rosto para beijá-lo. Um beijo com gosto de inesquecível. O mundo todo parou e só existimos nós dois ali, na frente de casa, em uma noite fria de novembro. Meu corpo está inebriado com sua boca contra a minha. Nos beijamos pelo que me parece um doce momento de eternidade.

De repente, sinto algo gelado e úmido atingir meu rosto e isso me traz para o mundo. Abro os olhos e ele também, e ambos assistimos os flocos de neve brancos caindo ao nosso redor. Rimos, encantados com o momento mágico e inesquecível.

Antes que eu possa pensar, ele está me girando e girando. Cada giro no ar é uma emoção ao seu lado. Um frio que desce no estômago. Um sentimento que me deixa nostálgica, perdida em um segundo eterno, em um oceano de tempo.

Ao me girar nos braços, Jerome me faz dançar no meio da neve. Estendo um braço, sorrindo, radiante de felicidade, enquanto vejo os flocos de neve encostarem em meus dedos em câmera lenta e acomodarem-se na palma da mão com o mais gracioso movimento da natureza.

Fecho os olhos, agradecendo silenciosamente por tudo, e relaxo a cabeça contra seu peito com um suspiro de paz.

O que temos agora é muito mais do que eu, algum dia, em meus sonhos mais profundos, desejei ter.

Após ter vagado pelo mundo à procura de algo que pensava não mais poder existir, enquanto achava que havia perdido uma parte importante minha no meio do caminho, hoje posso finalmente dizer:

Eu. Me sinto. Completa...

Ás de Copas [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora