6. Pai

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— Vai dar tudo certo — repeti para mim mesmo quando pressionei a campainha. — Vai dar tudo certo, Jerome. Não tem como as coisas piorarem.

Antes de contar qualquer coisa, eu gostaria de dizer que, embora o Jerome seja apenas uma pessoa, ele possui várias facetas reunidas em um único corpo. Algumas se sobressaem em relação a outras e há aquelas que eu nem sabia que um dia poderiam existir. Por exemplo, eu não fazia a menor ideia de que já era pai até aquele momento em que eu tocava a campainha na esperança de conseguir me desculpar com sua mãe pelo modo como a tratei quando nos reencontramos.

Quando cheguei em Atlanta, eu tinha um plano em mente. Ocorreu que esse plano foi sendo mudado e reformulado a cada dia, sem que eu tivesse consciência disso. Eu podia ser organizado por fora, mas era tão desorganizado por dentro que acabei preso nas minhas próprias teias. Um lado meu — o rancoroso — queria seguir em frente com tudo o que foi planejado. Mas outros dois grandes lados — o amoroso e o racional — tentavam me refrear desesperadamente. Espantava-me que o amor e a razão, pela primeira vez, caminhavam juntos, e então mais nada passou a fazer sentido. Eu estava em uma contínua guerra comigo mesmo. Foi quando eu soube da sua existência que entendi o porquê de tudo isso.

Vamos voltar àquela campainha.

Pressionei uma, duas, três vezes. Nada. Eu não queria acreditar que sua mãe aplicava em mim o velho golpe de fingir que não estava em casa, porém, o carro dela se encontrava estacionado no acesso, o que indicava o contrário do que ela pudesse estar querendo me fazer pensar. Eu já estava resolvido a não sair dali até conseguir falar com ela, então comecei a apertar a campainha persistentemente.

Olhei para o lado e minha mente criminosa vislumbrou uma oportunidade. Seria muito abuso se eu pulasse pela janela da sala?, pensei. Foi aquele tipo de pensamento tolo que nos assola de vez em quando, porque é claro que seria abuso. Na verdade seria invasão de propriedade alheia, então está tudo bem você pensar em fazer a coisa, mas apenas não a faça. Está bem?

Por favor, me diga que você entendeu isso e que compreendeu que não estou incentivando-a a cometer crimes.

A porta foi aberta de súbito e quase no mesmo momento parei de apertar a campainha. Na minha frente, havia uma Ellie paralisada e desarrumada. Uma Ellie desordeira que eu não via em tempos.

— Jameson Carver? — ela disse, espantada, e senti meu corpo enrijecer-se ao som do nome que não era meu. É claro que eu havia me acostumado, pois foram seis anos ouvindo as pessoas me chamarem assim. Mas com Ellie... era simplesmente diferente. Eu me sentia plenamente o Jerome quando estava em sua companhia. Olhava para ela e queria gritar meu verdadeiro nome. No limite do silêncio, este era meu estado de espírito.

Detive-me com atenção no visual dela e um detalhe me fez desviar os olhos.

— Acho que começamos com o pé esquerdo — eu disse. — Vim pedir desculpas pelas grosserias e afrontas trocadas desde o momento em que nos encontramos.

Esse era um bom começo. Se algum dia você perceber que foi grossa com alguém, se você sabe que errou, não espere o tempo passar e as coisas se ajeitarem sozinhas. Não é assim que funciona. Apenas vá lá e peça desculpas sem medo de ser ridicularizada.

Ao contrário do que eu esperava, sua mãe ficou muda. Eu estava com uma postura tão rija diante dela que não seria surpresa se eu começasse a criar raízes no chão.

— Eu... posso entrar? — E dei o meu melhor para fazer a típica cara do cachorrinho perdido. Em minha defesa, eu lidava com variáveis muito inconstantes ali. Ela podia simplesmente fechar a porta na minha cara se decidisse que não queria falar comigo, de modo que eu não podia perder a chance de ter um momento a sós com sua mãe.

Ás de Copas [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora