Capítulo 16

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Acordo cedo na manhã seguinte para explorar o local em busca de moradores ou motoristas na estrada que possam me emprestar o telefone. Primeiro ligo para casa e falo com mamãe sobre Jackie. Aparentemente correu tudo bem. Explico rapidamente o que aconteceu e depois desligo a chamada prometendo que logo mais estarei em casa sã e salva. A segunda pessoa para quem ligo é Tracy. Ela é a única que sei com quem posso contar em uma situação crítica como essa.

Tracy chega em algumas horas. Mas para quem teve de fazer uma caminhada exaustiva, dormir no chão, vestir roupas sujas e pular a refeição do jantar, o tempo de espera é o de menos se isso significa a certeza de que estaremos em casa. Ela nos dá barras energéticas para comermos. Não é muito, mas mesmo assim estamos agradecidos por ter o que comer.

Jameson não falou uma palavra comigo desde que entramos no carro de Tracy para pegar carona até o meu e enchermos o reservatório com a água extra que minha amiga trouxe para mim. É impossível ler suas emoções, embora eu tente. Estou sentada no banco do passageiro, ao passo que ele está no banco de trás, com olheiras de uma noite mal dormida e os braços cruzados como um menino chateado.

Comigo, imagino.

Desde que começou a andar com a corretora falida, a vida de Jameson não tem sido exatamente o que eu chamaria de mar de rosas. Admito, sou barulhenta. E o meti numa bela confusão, uma atrás da outra. Uma jornada desastrosa com um fim mais desastroso ainda. Vivo fazendo confusão por onde passo. É quase uma maldição que só estou me dando conta agora de que carrego.

— Tomou a sua dose hoje? — Tracy me arranca de meus pensamentos.

Fito seu perfil ao meu lado.

— Oh, ainda não. Obrigada por lembrar. — Abro a bolsa para apanhar a cartela de contraceptivo. — Você tem uma garrafa de água por aqui?

Ela gesticula para o porta-luvas, onde encontro um compartimento com duas pequenas garrafas. Puxo uma, torço a tampa e bebo até a pílula descer por minha garganta.

— O que está tomando? — Jameson escora a mão no encosto do meu banco quando se inclina para frente. Minha reação de esconder a cartela dele dentro da bolsa é instintiva. — Remédio? Para que precisa de remédio? Não me contou que estava doente.

Às vezes ele sabe ser tão intrusivo, apenas não consegue deixar as coisas quietas. Tem que ter tudo ao seu alcance, discriminado nos mínimos detalhes. Certo, como se explica ao seu cunhado que você está aberta a novos relacionamentos amorosos, mas que isso não significa que está traindo seu falecido irmão, com quem um dia já foi casada?

— É contraceptivo — respondo baixinho, na esperança de que ele não me escute.

Ele movimenta a cabeça. Parece estar em sua habitual tranquilidade, introspectivo. Quanto a mim, estou desesperadamente tentando avaliar se é isso o que de fato está acontecendo. Sinto como se os olhos negros fossem capazes de me lançar fatalmente um raio laser agora mesmo.

— Por quê? — pergunta inesperadamente.

Eu e Tracy nos entreolhamos. Em seguida, estamos bufando discretamente em risadas, se é que dá para fazer isso com discrição. Os lábios de Jameson são uma linha dura e firme enquanto me fuzila com os olhos. Não está achando graça alguma.

— Para que mais as mulheres tomam a pílula? — resolvo perguntar, incomodada com a intensidade de seu olhar.

Silêncio. Sei que algumas mulheres usam contraceptivo para diminuir a dor da ovulação, mas caramba, sou adulta, solteira e a resposta deveria estar bem óbvia. Estou nervosa demais para prestar atenção a qualquer outra coisa que não seja a decepção profunda que vejo em seus olhos. Desvio o olhar até que estou ouvindo-o se reclinar contra o banco com um barulho abafado.

De onde veio isso? Essa... culpa? Mais para a minha cota pessoal, não posso acreditar. Eu me envolver com outras pessoas não deveria estar sendo tão difícil assim. Primeiro, sou assombrada pelo espírito de Jerome, e agora o irmão dele está aqui para exercer controle sobre minha vida. Quando a família Carver me deixará em paz? Os fatos têm mostrado que não consigo ter uma vida quieta longe de qualquer membro dela e me recuso a acreditar que isso tenha algo a ver com destino.

— Está dormindo com alguém? — pergunta ameaçadoramente.

O silêncio é perturbador.

Não preciso olhar para trás para saber que ele está semicerrando os olhos para mim. Olho para Tracy, que está tão confusa quanto eu estaria se ainda me perguntasse o que minha vida sexual tem a ver com ele. Aparentemente, tudo.

Franzo a testa e olho para as minhas mãos no meu colo. Não, não estou dormindo com ninguém. Amei Jerome por tanto tempo que não sei se seria capaz de me deitar com outro homem, mas tenho que tentar. Quero tentar. Será no meu tempo, quando me sentir preparada para um grande passo como esse.

— Essa é uma pergunta íntima demais a que prefiro me resguardar o direito de não responder — falo, por fim.

Estou ouvindo coisas ou tem alguém rosnando atrás de mim agora?

O resto da viagem ocorre em um silêncio total, esmagador. Nem Tracy nem eu tentamos mais conversar e isso é tão esquisito, pois assunto geralmente é o que não falta entre nós. Mas Jameson tem essa incrível capacidade de constranger qualquer um ao seu redor com um mero olhar de desaprovação. Tenho medo do que ele pode me dizer assim que ficarmos sozinhos de novo. Ferrei com tudo? Ele vai atrás de outra corretora? Eu me acovardo com o pensamento.

Agradeço à Tracy pela ajuda e afundo no banco do meu carro com um suspiro. Dou uma carona a Jameson até a cidade, ambos de nós calados ao longo de todo o percurso, e estaciono perto de seu carro alugado.

Jameson não sai imediatamente do meu carro. Ele aguarda, não sei exatamente o quê. Está esperando, se contendo, com a mandíbula travada enquanto olha para frente.

— Desculpe — sussurro educadamente. — Não quis que as coisas terminassem ontem daquele jeito. Prometo que não o levarei mais a nenhum lugar que eu não tenha decorado a rota com primor.

— Não é isso o que me aborrece — ele subitamente diz. Oh... como ele está desgostoso. Meu coração afunda e cai como uma pedra. — Mas você certamente é adulta para saber o que faz de sua vida, Srta. Banks. — Está de volta para a formalidade.

Engulo a saliva, minha boca de repente está seca demais. Concluo que a verdadeira questão da situação é a minha vida sexual, que, a propósito, é inexistente. Não compreendo como isso diz respeito a ele, tampouco por que causa tamanho incômodo que eu esteja preocupada em proteger-me para futuras possíveis relações sexuais.

Jameson ama seu irmão, mas precisa entender que eu não morri com Jerome. Ainda estou viva e não posso deixar o luto ser meu eterno guia para uma vivacidade nula.

— Ainda sou um ser humano — respondo com cuidado. — E como qualquer um, preciso de afeto, carinho, ser amada. Não sou feita de ferro, Jameson.

— Sr. Carver para você. — Seu tom de voz é calmo, um arrepiante aviso.

Após endereçar um olhar muito frio para mim, ele abre a porta do carro e então está se afastando com passos largos e decididos em direção ao seu veículo.

E lá vamos nós... de volta à estaca zero.

Ás de Copas [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora