Sinto a bile subir pela minha garganta. Não estava planejando ter essa conversa com Jackie tão cedo. Ainda estou machucada pelo que aconteceu, tenho medo de soar tendenciosa se contar agora, mas é tarde demais. Ela ouviu minha conversa com Jerome.
— Querida — chamo em um sussurro, porque isto é tudo o que eu posso fazer.
Há uma sombra descendo por seu rostinho, distorcendo sua expressão e seus olhos estão apagados, lentamente se enchendo de lágrimas.
— Meu papai está vivo? — repete, com a vozinha afetada. Sei que ela consegue sua resposta no meu olhar martirizado. — Por que, mamãe? Por que ele não quis viver conosco? Por que não quis me conhecer?
Meu coração se contrai dolorosamente no peito. Caminho até ela e me ajoelho na sua frente, com um nó de angústia preso em minha garganta. É triplamente doloroso ver uma filha triste, perdida em suas dúvidas incômodas e dolorosas que a fazem retorcer ante tudo o que acreditou durante quase seis anos de sua vida.
Respiro profundamente e coloco seu cabelo atrás das orelhas para ver melhor seu rosto. Tento reunir as palavras certas.
— Lembra quando disse que eu e o papai não funcionávamos muito bem juntos no passado? — pergunto com cautela.
Ela assente com um pequeno movimento de cabeça.
— Isso não significou que não gostássemos um do outro, pelo contrário. E nós vimos isso, essa necessidade de procurarmos um modo melhor de lidar com as coisas — prossigo cuidadosamente, pensando em cada palavra que escolho. — Só que eu e o papai pensamos de formas diferentes. Ele queria voltar para Londres para terminar sua formação, porque achava que muita coisa entre nós poderia ser resolvida desta maneira. E eu queria que ele se afastasse definitivamente de mim, pois queria devolver o futuro brilhante que eu sabia que ele poderia ter tido, se não fosse eu ter entrado em sua vida e tomado isso dele.
— Não, mamãe. Você significou muito mais do que isso. — Ela me abraça, chorando com o nariz enfiado em meu pescoço. — Amo você. Tenho certeza de que o papai também amou.
— Adultos fazem besteiras, Jackie — digo com um suspiro.
— Crianças também — devolve e me arranca um sorriso fraco.
— E pais também... — murmuro, pensativa. — No dia em que descobri que estava grávida de você, eu e o papai tivemos uma briga feia. Contei mentiras dolorosas e consegui o que queria: Jerome foi para longe de mim. Furioso e destruído pelo que eu disse, ele saiu para dirigir e teve aquele acidente de carro, querida. — Jackie agora está soluçando sem parar. Levanto a mão e esfrego a palma em suas costas para acalmá-la. — Só que não foi o papai que morreu no acidente. Foi Jameson, o irmão gêmeo dele.
— O tio Jameson morreu, e não o papai — diz ela com a voz rouca ao entender, retrocedendo o rostinho vermelho e inchado para me olhar no fundo dos olhos. — Então o tio Jameson de agora na verdade é o papai.
Faço o meu melhor para sorrir.
— Isso, querida.
Ela fica parada, seus olhos castanhos lentamente adquirindo um fraco brilho de esperança.
— Por que o papai não contou a verdade?
— Porque ele achava que a mamãe tinha feito algo muito ruim a ele — falo baixinho, envergonhada. — E depois, quando nos conhecemos melhor, ele ficou com muito medo de contar a verdade e nos perder.w
Ela funga algumas vezes e esfrega os olhos. Há um pequeno vinco em sua testa.
— Mas eu amo o meu papai... — ela diz, sua voz se suavizando.
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Ás de Copas [COMPLETO]
ChickLit[+18] Shortlist do Wattys 2018. 🎖História destaque de suspense pelo perfil @WattpadSuspenseLP em novembro/2019 "Será que existe perdão para todos os erros que você comete?" AVISO: este livro tem conteúdo sensível relacionado a uso e abuso de drogas...