Capítulo 36

3.1K 377 155
                                    

Tenho uma noite turbulenta. Não consigo pegar rápido no sono, embora esteja exausta mental e fisicamente por tudo o que aconteceu nas últimas 24 horas.

Estou chorando em desespero, sentindo-me dolorida e vazia quando passo pela porta de casa, entorpecida. Ouço alguém me chamar, e tenho quase certeza de que é mamãe preocupada com meu estado, mas vou direto para meu quarto, incapaz de continuar de pé.

Fecho a porta com o pé, caio na cama e choro abafado contra o travesseiro. Eu o aperto contra meu rosto e dou um grito de raiva. De frustração. De dor. Acho que essa deve ser a sensação a que as pessoas se referem quando dizem que estão com o coração rasgado ao meio, cortado em pedaços com violência. Completamente despedaçado.

Acordo no meio da noite, desperta de um sonho que me levou à época em que eu tinha 17 anos, quando conheci Jerome. É um sonho angustiante que me fez lembrar do passado e a vida que tive ao lado daquele homem que tanto amei.

Não consigo dormir mais, com essas lembranças me assaltando em meu sono, e gasto o resto da noite em claro. Tento pensar e dar sentido a tudo o que Jerome me contou. O que pensar sobre a decisão dele de assumir o lugar de Jameson? Achei que já houvesse ouvido de tudo na vida. Mas essa história assombrosa é o tipo que poderia deixar qualquer um de cabelo em pé, incluindo eu.

Relembro a devastação e o desespero que, por vezes, pensei ter visto em seus olhos. Seu sofrimento ocultado. Tudo sempre esteve ali, eu apenas não sabia por que esses sentimentos o abatiam mesmo após nós dois termos decidido ficar juntos. Sim, foi culpa o que ele sentiu, mas não por trair a memória do suposto irmão morto ao se envolver com a viúva, e sim por enganar a todos dizendo que era Jameson.

Imagino-o em Londres, vivendo cada ano de modo entorpecido e aprisionado às grandes responsabilidades que assumiu no lugar do irmão. Um homem com um passado complicado, que pensava que não tinha razão alguma para voltar para uma mulher que havia contado que o traiu e que não o amava mais. Um homem que se viu com uma vida vazia e sem significado. E que, no entanto, apesar de seu histórico de vida conturbado, fez escolhas chocantemente altruístas.

De certa forma, é quase de se esperar que pessoas com um passado tão castigante ajam de forma impulsiva e se tornem promíscuas. Que se envolvam com álcool, outras drogas e sexo aleatório com um monte de mulheres ou homens quando as coisas vão de mal a pior. Só que Jerome, aquele jovem homem de 22 anos, que havia acabado de quase morrer, perder o irmão e a mulher que amava, optou por dar um novo sentido à sua vida e dar continuação ao que seu gêmeo havia deixado para trás. Não foi apenas uma escolha, houve também uma abdicação dos prazeres hedônicos que a vida poderia lhe oferecer. Com isso, queria punir a si mesmo? Não sei. Mas para alguém que nutria algum rancor pela falsa traição que confessei, pensar na ideia de que ele ainda sentia algo por mim é quase inconcebível. Senão impossível.

Amor e ódio, a uma só vez.

Arrasto-me até o trabalho com a aparência de um zumbi. Cansada, mortificada, com olheiras escuras e fundas. Tento me concentrar, mas as lembranças dos dias que passamos juntos não deixam. É só eu ter um intervalo que minha mente começa a trabalhar.

Seis anos que passou afastado de nós, vivendo em sua própria mentira... Será que consigo perdoá-lo pelo que fez, sabendo que, se tivéssemos sido honestos, compreensivos e maduros um com o outro, isso nos teria ajudado a tomar uma decisão diferente em nossas vidas?

Éramos tão desequilibrados e cheios de falhas emocionais que, ao invés de somarmos amor e confiança, multiplicávamos desconfiança, raiva e mágoa. Juntos significávamos a destruição, de alguma maneira maior do que a construção. Esse certamente não é um modelo de relacionamento que as pessoas querem seguir.

Ás de Copas [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora