Emoções

59 2 1
                                    

A semana correu de uma forma tão lenta que eu conseguia sentir cada segundo passando, eu tentava me manter forte por causa do bebê, mas as coisas estavam bem difíceis. O Lucas mal falava comigo, felizmente ele havia arranjado um trabalho na empresa de meu pai, não era grande coisa, pelo que entendi ele só carregava equipamentos pesados, mas era bom para que ele se sentisse menos inútil.

Meu pai e o Lucas passavam o dia fora, eu não tinha ânimo e nem forças para sair e acabava passando o dia inteiro em casa, indo ao jardim vez ou outra, mas nem isso estou fazendo mais pois um dia esbarrei com o Caio, e eu ainda estava com vergonha do ocorrido. Minha barriga já estava crescendo consideravelmente e eu me pegava diversas vezes no dia conversando com ela, no início da gravidez eu tive medo de não amar o bebê, por tudo que eu tive que abdicar, mas é só ele se mexer dentro de mim que meu coração pula de alegria, acho que estou começando a entender o que é o amor de mãe.

Eu estava ansiosa pois hoje eu ia para a cidade fazer a ultrassom que determinaria o sexo do bebê, eu já estava me arrumando e o Lucas disse que me encontraria lá.

Cheguei no Hospital e ele já estava na entrada, me lançou um pequeno sorriso e tocou em minha barriga, acho que essa foi a primeira vez que nos tocamos desde que ele chegou, por um segundo olhei em seus olhos e quase pude ver que estavam marejados, mas ele rapidamente se afastou e adentrou o Hospital. Entramos na sala da ultrassom com o médico, que se chamava Dr.Rubens e o exame começou.

Dr: Vou passar esse gel na sua barriga e olhar com essa aparelho aqui, vamos torcer para que seja possível ver o sexo hoje hein!

Ele começou e pediu para nós olharmos para a tela do equipamento, o Lucas estava praticamente saindo da sala, e nesse momento ele chegou mais perto

Dr: Olhem só papais! É o bebezinho de vocês, vou mexer aqui para ver se eu consigo ver o sexo... E olhem os batimentos cardíacos!

Nessa hora eu me concentrei e consegui ver no aparelho o coração pulsando e ouvir o barulho, e o Lucas também ouviu, pois olhei chorando para ele e ele também estava emocionado, ele me deu a mão e passou a outra no meu cabelo. Eu realmente não estava conseguindo conter a emoção, ter uma vida dentro de mim era simplesmente mágico.

Dr: Ah! Aqui está, parabéns casal, é uma menina!

Aí que eu me emocionei mesmo, o Lucas deu um soluço alto e me abraçou forte, enquanto eu chorava e ria ao mesmo tempo ele dizia "Vamos ter uma menina meu amor!" Ver ele falando daquele jeito só estava me deixando mais feliz ainda, se é que era possível. Quando os ânimos foram acalmando, ele se abaixou novamente, colocou a palma da mão na lateral do meu rosto, olhou bem fundo nos meus olhos e sussurrou "eu te amo". Foi o que bastava para que mais lágrimas caíssem dos meus olhos, aiai, essas hormônios de gravidez...

Porém, dentro de tanto emoção nós não demos conta que o Dr. Rubens havia chamado uma enfermeira e os dois olhavam com uma cara de preocupação a imagem no aparelho, meu coração acelerou e eu olhei para o Lucas, sem nem conseguir formular a pergunta

Lucas: Ah... Ta... Ta tudo bem?
Dr. Rubens: Só um minuto papais
Enfermeira: Vamos lá para fora mãezinha, ja ja o Dr chama vocês novamente

Obedeci a ordem sem contestar, pois quando eu fico com medo simplesmente não raciocino, e esse era um tipo de medo que eu nunca havia sentido. Fomos para a sala de espera e minha mão tremia incontrolavelmente, o Lucas sussurrou um "calma" tão baixo que nem sei se foi para mim ou para ele, mas de qualquer jeito ele me abraçou e tentou me consolar mesmo estando tão nervoso quanto. Passaram-se 10 minutos agonizantes e a enfermeira apareceu na porta nos chamando.

Dr. Rubens: Sentem-se paizinhos. Bom, não vou fazer rodeios. Eu vi um problema na ultrassom de hoje, um problema infelizmente muito grave. A placenta não se formou inteiramente e não estava protegendo o bebê e o nutrindo como deveria, assim alguns órgãos vitais como o fígado, o pulmão e os rins estão defeituosos, e se o bebê sobrevivesse até o parto, iria faltar oxigênio para ele e para você mãezinha.

Para mim ele só havia cuspido palavras técnicas de Medicina, eu parei de escutar quando ele disse "problema muito grave". Eu estava olhando fixamente para o quadro atrás dele, e de novo, foi a vez do Lucas falar por mim.

Lucas: Mas existe alguma chance do bebê sobreviver?
Dr: Existir existe, mas muito remotas. Provavelmente você mãezinha vai sofrer um aborto espontâneo antes do 4º mês de gravidez

Por algum motivo essa parte da notícia foi a que mais me impactou

Malu: 4º mês? Eu só vou ter esse tempo para ficar com ela?
Dr: Eu sinto muito, realmente parte meu coração quando essas coisas acontecem. Eu desejo toda a força do mundo para vocês.
Lucas: Obrigada doutor. Mas e a Malu? Vai ficar tudo bem com ela?
Dr: Bom felizmente a maioria dos abortos espontâneos ocorrem sem maiores consequências para as mães, mas qualquer indício de algo errado a traga direto para cá
Lucas: Tudo bem

O Lucas falou mais algumas coisas com o doutor, que eu nem escutei direito e levantou, me puxou pelo braço delicadamente e nós deixamos o Hospital. Eu não havia chorado, não havia esboçado reação nenhuma e a única coisa que eu sentia era um vazio imenso, apesar de ironicamente, ter uma vida dentro de mim.

Entramos no carro e o Lucas começou a dirigir, ele já havia chorado algumas vezes, mas eu não, eu continuava olhando para algum ponto fixo a minha frente, em pleno estado de choque. Mas de repente, aquela coisinha pequena dentro de mim se mexeu, e se mexeu forte, como se dissesse "eu ainda estou aqui". Isso foi o bastante para que a ficha caísse, lágrimas violentas começaram a rolar sob meu rosto e eu soltava soluços altos, eu nunca havia chorado daquele jeito, era um choro que doía na alma ao invés de lava-la, o choro da pior dor do mundo, que é perder um filho.

O Lucas havia encostado o carro e o desligado, ele estava me abraçando forte e chorando comigo, porém de maneira mais contida. Passamos quase 20 minutos assim, até que ele falou

Lucas: Eu te amo meu amor, me desculpa por tudo, me desculpa por não ter te apoiado como deveria, por tentar ignorar o fato de que você é o que eu quero pro resto da vida, por ter perdido tempo sendo idiota e não te mimando no começo da gravidez, me perdoa Malu, de verdade.
Malu: Eu te amo Lucas, nada nunca vai mudar isso.

Ele me deu um mínimo sorriso, mas provavelmente o máximo que ele conseguia dar no momento e me deu um selinho, falando "contanto que estejamos juntos, vamos ficar bem". E o bom é que realmente acreditei nisso.

Confissões de AdolescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora