Palavras de Amor - Parte 1

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    Naquele fim de tarde, início de dezembro, Oswaldo debruçou-se no parapeito do terraço do Andrômeda, um dos edifícios onde trabalhava como síndico na zona sul de São Paulo. A vista naquele horário era sempre magnífica. Mas naquele dia em questão nem o belo pôr do sol o animou.

    Tirou uma folha da pasta de trabalho e releu as linhas do pedido de divórcio. Márcia, sua esposa há nove anos, entrara com o pedido após, como dissera, ter se cansado de esperar que ele mudasse. Nunca achara que ela realmente fosse ter coragem de deixá-lo. O relacionamento estava desgastado, mas não tinha dúvidas de que ainda a amava e que queria ficar com ela. Suas falhas incluíam trabalhar demais, nunca estar em casa quando ela e a filha precisavam, não pensar nelas, e um mundo de outras coisas das quais vinha sendo acusado ― a maioria verdade.

    Júlia, a filha do casal, tinha três anos e era sapeca e linda. No aniversário dela, Oswaldo precisara sair após meia-hora para resolver uma emergência entre moradores de um dos edifícios que administrava. Quando voltara, passava das dez e todos já haviam partido. Márcia o acusara de ser um pai ausente e dormira pela primeira vez no quarto da filha. Fato que se repetiu várias vezes com o passar dos meses.

    Oswaldo não sabia o que fazer para melhorar a situação em casa, exceto, talvez, reduzir sua jornada de trabalho. Vinha pensando nisso desde o ocorrido na festa da filha, mas já fazia nove meses e nada mudara. Márcia nem falava mais com ele. Esperava resolver tudo até o Natal, levá-la para jantar em um restaurante elegante de surpresa. E a surpresa fora receber aqueles papéis que machucavam o seu coração.

    Após reler as palavras frias que davam início ao processo de divórcio, Oswaldo guardou novamente o papel e fechou a pasta. Estava pronto para ir embora para o edifício onde morava na zona leste, mas antes decidiu fazer algo que nunca fazia e olhou para baixo. Arrependeu-se imediatamente conforme a tontura o invadia, amolecendo suas pernas e bagunçando seus sentidos. Tinha vergonha de admitir, mas tinha medo de altura e raramente ia à varanda do seu apartamento ou de qualquer outro. Era apaixonado pela vista daquele terraço, mas ao subir lá, evitava a todo custo olhar para baixo.

    Afastou-se do parapeito, ofegante, e afrouxou a gravata que usava com a camisa social branca. Sua mente estava tão embaralhada quanto a sua vida pessoal, e parecia haver uma força puxando tudo para baixo, onde os sentidos se perdiam de vez.

    Talvez não seja um bom dia para eu estar aqui, pensou sem humor. Mas ele sabia que jamais faria algo como se jogar de algum lugar. Amava a vida. Apenas não sabia o que fazer com a sua. Era distraído quanto às necessidades das pessoas que o cercavam, mas sofria diante do risco de perdê-las.

    A pior parte daquele dia para o síndico foi retornar ao seu prédio, entrar em seu apartamento e encontrá-lo vazio. Era como se Márcia estivesse lhe dizendo: Viu, agora você verá o quanto é bom esperar por alguém que nunca está.

    Claro que Márcia não lhe diria exatamente aquilo. Ela era gentil demais para querer magoá-lo com palavras cruéis. As palavras dela, que encontrou em um bilhete, foram:

“Fui passar alguns dias na casa da minha mãe e volto na semana do Natal. Seria bom se pudéssemos guardar segredo sobre isso até passar as festas.”

    Após tomar um banho morno e fazer um lanche com pão e frios que encontrou na geladeira, Oswaldo deitou-se no sofá para remoer seus problemas enquanto assistia à TV. Na hora de dormir, passou pelo quarto vazio da filha e foi para o próprio quarto vazio. O silêncio era ensurdecedor. Se antes reclamava de barulho quando precisava se concentrar nas suas planilhas de trabalho, agora percebia o quanto os sons da filha brincando e da esposa tagarelando lhe faziam falta. Desde que se casara, Oswaldo nunca havia dormido sozinho, com a casa vazia. Em seus trinta e cinco anos, aquela foi uma das poucas noites insones que teve.

    Foi uma noite difícil. A todo instante ele se virava na cama e se deparava com o vazio. Por fim, ao acordar uma hora antes do que de costume, ele se vestiu e pegou o carro para ir à casa da sogra.

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