Capítulo 60 - Nunca vamos saber

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Ian

Depois que saí do quarto, tudo se seguiu muito rápido. Meu pai acabou adormecendo com algumas lágrimas escorrendo pelo rosto pálido e doentio e me encaminharam de volta para a recepção, onde tive que assinar alguns papéis antes de fazer a minha doação.

Tive que fazer alguns exames complementares antes. Foi um processo longo e demorado, ainda tive que confirmar essa compatibilidade que diziam que eu tinha. Na verdade ninguém sabia de fato se eu era mesmo compatível, acho que era só uma desculpa que meus pais usaram para me ver de novo depois de tanto tempo.

Sei que eles não sentiam remorso, porque eu até entendia o lado deles. Eram as crenças deles, meus pais viveram em um mundo completamente diferente do meu, onde tudo era mais certinho e acho que pelo fato do meu irmão ser médico e ter a mente mais ampla para coisas como essa, foi mais fácil para ele me acolher daquela forma, como se soubesse exatamente como eu me sentia.

Não senti muito repúdio da agulha quando foram coletar meu sangue, só seria mais uma pequena cicatriz para a minha coleção, além das que eu mesmo infligia em mim com as doses de testosterona - quando eu conseguia comprar, é claro - e com os cortes das laminas, um habito horrível, mas ao mesmo tempo aliviante.

Enquanto esperava o resultado do exame sair - o que demorou muito, diga-se de passagem -, fiquei horas encarando a parede e ignorando o som alto da TV na sala de espera. Minha mãe não parava de me encarar e Noah tentava manter o clima menos tenso conversando com ela.

Eu ainda estava um pouco confuso, pensado se eu estava mesmo fazendo a coisa certa. Quer dizer, apesar do que eu tinha dito no calor do momento, eu não iria deixar meu pai morrer, mesmo se no quarto ele tivesse me tratado completamente diferente.

Noah estava certo, eu iria me sentir muito mal se meu pai morresse sabendo que eu poderia impedir, mas não porque ele era meu pai - até porque ele não estava presente para exercer esse papel -, mas sim porque câncer era uma doença horrível assim como muitas outras e sempre que eu podia, tentava ajudar pacientes. Nunca gostei da morte e nem nada relacionado a ela, era fria, crua e embora eu tenha pensando nela durante quase toda a minha vida, jamais iria aceitar que uma pessoa morresse sabendo que eu podia ter feito algo.

É claro que eu não ia dar uma de super-herói e tentar salvar o mundo inteiro, só que Kevin foi muito competente em me ensinar que podemos mudar o mundo com pequenos gestos, se todo mundo fizesse um pequeno gesto como aquele, dando um show de empatia, o mundo seria um lugar muito melhor e até agradável de se viver.

- Jas...Ian - ouvi a voz dela ecoando em meus ouvidos, tropeçando em meu nome.

Não falei nada, apenas virei o rosto e a encarei com olhos críticos. Não era a minha cara ser grosso e arrogante com as pessoas, só que quando você é muito pisado por alguém, não é fácil você simplesmente olhar para aquela pessoa que tanto te magoou com um sorriso no rosto como uma maldita princesa da Disney que aplicou botox.

Minha vida estava longe de ser um filme da Disney, então eu não me daria ao trabalho de perdoar todo mundo sem ouvir a droga de um pedido de desculpas. Mesmo sabendo que esse ato não iria apagar cada lágrimas que derramei, cada corte profundo em meus pulsos... Porém, seria alguma coisa, um passo a frente que a pessoa tinha dado. Era o mínimo!

- Seu pai nunca te odiou, eu nunca te odiei - falou, finalmente soando sensível. - A gente só não sabia direito o que fazer. Quando eu olho para você, não consigo mais vê-la, está tão diferente, tão mudada, parece um...

- Homem? - arrisquei, fazendo-a se encolher. - Mais do que parecer, Karen, eu sou um homem.

- Ian! - Noah tentou chamar a minha atenção, devido ao rebuliço que estávamos causando na sala de espera. - Tenta ficar calmo.

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