Virando a noite

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- O que aconteceu? O bebê está bem? - Pergunto quase desesperada à enfermeira.

- O bebê está muito bem, só que aquele homem chegou aqui dizendo que queria ficar com ele. - Ela aponta para uma direção e eu me viro, encontrando o olhar de Erick.

Ele parecia não saber mais de nada, seus olhos verdes agora não tinham mais um brilho especial, pareciam perdidos, sem rumo.

- Eu o conheço, não se preocupe. - Digo à enfermeira e vou até o moreno, o qual me surpreende com um abraço inesperado.

Caio por terra e retribuo o abraço, sentindo seu cheiro incrivelmente bom ao aproximar meu rosto de seu pescoço. Suas mãos me apertavam como quem implora para encontrar uma direção.

- Rich me contou o que Jessica fez. Por favor, deixe que eu fique com ele. - Ele diz, sem se afastar.

- Vou pegar uma roupa esterilizada pra gente. - Digo apenas isso e desfaço o abraço, indo pegar os trajes e entregando um a ele.

Ambos nos vestimos e a enfermeira abre a porta do imenso quarto onde estavam alguns bebês, todos dormindo. O cheirinho de neném toma conta dessa sala e eu ouço o suspiro aliviado de Erick ao meu lado. Vejo que seus ombros relaxam; esse lugar realmente transmite paz, ainda que escondendo tantas histórias tristes.

Caminhamos até o berço certo e ele respira fundo.

- Posso pegar no colo? - Sua voz soa trêmula.

- Claro, só que talvez ele acorde.

Ele o pega em seus braços com a maior delicadeza desse mundo e eu fico com cara de boba contemplando. O que é isso (S/N)?! Pare de babar por ele! Só porque, além de lindo e cheiroso, ele é fofo com criancinhas?

Desvio o olhar, tentando disfarçar o que estava fazendo. A ternura que está ao meu lado é demais para mim. Caminho até o berço mais próximo, encontrando a bebê da Senhora Karen entubada. Meu coração se aperta, então começo a acariciar sua mãozinha, tentando demonstrar que ela não está sozinha nisso.

  - Eu não entendo como vocês aguentam tudo isso. Admiro demais essa capacidade de lidar com coisas difíceis. - Erick aparece em minha frente, do outro lado do berço.

  - Sei que parece que a medicina só tem coisa ruim, mas é tudo tão lindo. A gente olha pra um ser tão pequenininho desses e, mesmo só vendo dor, pensar que existem pessoas que podem cuidar deles traz uma paz imensa. - Eu falo e ele sorri.

  - Sabe, eu me formo em engenharia esse ano. Tudo pra mim é lógico, gosto das coisas exatas, sempre do mesmo jeito. Daí, como você consegue resolver tudo com números, é bem difícil quando se depara com algo tão sentimental. - Isso sai em tom de desabafo e eu sorrio de canto.

  - Então você é engenheiro, Senhor Erick Colón?

  - Só Erick, Dra. (S/N).

  - Só (S/N). - Nossos olhares se encontram e um silêncio paira sobre nós.

  - Até quando ele ficará aqui? - Ele volta a falar, referindo-se ao bebê em seu colo.

  - De acordo com o protocolo, quando a Jessica receber alta, ele deve ir com ela.

  - Mas ela não o quer...

  - Eu sei e peço pra que não fique com ódio dela por causa disso. Ela está com depressão pós-parto, é algo bem comum. A mãe não se acha digna de ter o bebê, tem aversão a ele, muito triste. - Encolho os ombros.

  - Não vou ficar com ódio dela por causa disso, mas sim por toda essa mentira. Viu como ela estava feliz quando eu estava aqui? Se eu não tivesse feito aquele exame, ficaria nessa mentira até quando? Pra sempre?

  - Foi o que eu perguntei a ela. - Digo baixo, mas o silêncio da sala permite que ele ouça.

  - Você falou isso pra ela?

  - É errado fazer isso, eu sei. Mas na hora em que ela quase empurrou o filho para mim, eu não pude me controlar. Saiu sem pensar. - Suspiro. - Agora ela me culpa por ter falado sobre o teste com você.

  - A culpa não é sua, você abriu os meus olhos. Ainda não acredito que ela me traiu e me fez acreditar que eu era o pai! - Ele eleva o tom de voz e um outro bebê acorda chorando.

  - Acho melhor sairmos daqui. - Eu digo, indo até o berço e pensando em algo para fazê-lo dormir antes de acordarmos outros.

  Por fim, chamo a enfermeira e ela cuida disso para mim. Eu e Erick saímos da sala e tiramos os trajes.

  - Pode ir para casa e descansar, eu to de plantão hoje, tomo conta dele. - Digo com a mão em seu ombro, notando seu cansaço.

  - Não, eu vou ficar aqui. Sinto que é o mínimo que posso fazer por ele, já que talvez o pai nem saiba que ele existe.

  - Eu vou pedir pra trazerem uma poltrona mais confortável que essas cadeiras. Não posso trazer uma cama, mas acho que pode ajudar um pouco.

  - Obrigado, (S/N).

  Sua voz soa rouca e eu me arrepio, assentindo com a cabeça e saindo dali. Pedi a um outro interno, o Max, meu amigo, para levar a poltrona antes de ir embora e ele o fez. Depois disso, fui passar a visita no pós-operatório das cesarianas.

***

Termino a ronda e decido voltar para ver o moreno, quase que por instinto. Minha mente não parava de girar em torno daquela situação. Meus passos aceleram num impulso e eu paro no corredor em que estava o rapaz, bem lá no final.

  Ele havia adormecido na poltrona, a qual está posicionada em frente ao vidro da sala que visitamos horas atrás. Olho o meu relógio de pulso e já são 3h da manhã. Aproximo-me da cena mais terna que há: a cabeça de Erick pende para o meu lado, com os cabelos negros caídos sobre seus olhos e os braços relaxados nos da poltrona. Do outro lado do vidro, bem a sua frente, está o bebê, dormindo profundamente na maior tranquilidade que existe.

  Neste momento, eu tenho certeza de que os problemas não os estão incomodando.

Terminei com momento ternurinha dessa vez szsz
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Mi Medicina •EB•Onde histórias criam vida. Descubra agora