(S/N)
Foi uma longa conversa com direito a muito choro, mas acabou que combinamos de procurar o professor de psicologia. Um dos benefícios de estudar medicina, é que você não perde tempo indo até a clínica ou o hospital, porque está rodeado de médicos. Professores de todas as especializações a sua disponibilidade; basta pará-los nos corredores mesmo que acontece uma consulta completa. Tempo é dinheiro, que nesse caso se economiza. Então, amanhã vamos procurar o professor, ou melhor, Dr. Ricardo logo depois da prova.
Aliás, passamos a tarde inteira estudando e revisando tudo o que aprendemos. As provas de conclusão nunca são leves e cobram detalhes que podem passar facilmente despercebidos na hora de um exame ou na cirurgia mesmo. São tantas informações, instrumentos, casos e andamentos que não é nada difícil escorregar logo neste teste. Tudo o que aprendemos é testado em uma única prova, um simples caderno de questões que avaliam tudo o que foi aprendido. E poxa, é a cirugia do trauma! Trauma! Como é possível prever? Exatamente: não é. Óbvio que tem todo um passo a passo para tratar fraturas, traumatismos cranianos... Mas "tudo" engloba realmente muita coisa aqui.
Não deixei de pegar muitas coisas das anotações de Dani, que por mais que pareça muito avulsa no meio disso tudo, a única despreocupada e tranquila, grava tudo naquele caderninho lindo preto e de capa dura, que talvez eu queira muito furtar e guardar numa gaveta trancada a sete chaves atrás da cabeceira da minha cama — mas só talvez. E não digo só pela aparência do objeto, atraente para qualquer viciado em materiais, mas também pelo conteúdo que tem ali dentro. Como eu disse, tem tudo. Tudo que nós vimos desde ginecologia e obstetrícia. Pode parecer pouco, mas são realmente muitos detalhes, que com certeza estão destacados naquelas belas páginas do caderninho. Deve ser por isso que Dani transparece tanta calma. Ela é perigosa, daquelas que só observa. Depois me vem com esse papinho de que eu preciso relaxar e não me estressar tanto com o internato, logo ela, a que tem e sabe de todas as coisas. Se eu fosse organizada assim, também ficaria tranquila como um pássaro pairando no ar, preocupado apenas em bater as asas de vez em quando, para regular a altura do meu vôo. Mas a verdade é que eu sou o patinho feio e desastrado, que nem levantar vôo não consegue.
E sempre foi assim. Ela sempre teve facilidade em absorver conhecimento, aprender rápido, enquanto eu tenho um ritmo bem menos desacelerado, que necessita de um empurrãozinho para ir para frente e alcançar os demais.
"Ai, eu cansei!" Essa foi a frase que nos fez parar os estudos. Daniela já não aguentava mais um segundo sentada com a cara dentro do livro todo grifado de diferentes cores de marca texto, que eu havia lhe emprestado para estudar anatomia há algum tempo. O ganhei de presente dos meus avós, é bem caro e eles me deram no meu aniversário, no segundo ano de faculdade. Foi incrível, é claro. Mas logo depois entramos realmente em anatomia e eu percebi que nem tudo é incrível assim. Não digo porque há algo de ruim na matéria — o corpo humano é perfeito e eu adoro isso —, mas sim porque não é tão fácil quanto pensava. Nada anda muito fácil desde o terceiro ano do ensino médio para mim, com relação à dificuldade dos diferentes obstáculos que apareceram todos de uma vez só. Até o segundo ano eu era a aluna aplicada e acima da média 8, uma verdadeira Daniela, que por sinal sempre estudou na mesma sala do que eu — devo créditos a ela por algumas notas, inclusive. Então chegou o "terceirão", o ano do alívio, em que tudo acaba e você finalmente vai estudar algo que "você quer e gosta". Olha, não é bem assim. Primeiro que eu nem contava com a parte do vestibular, foi aí que tudo complicou. Segundo que no terceiro ano meu pai começou a implorar por atenção dentro da prisão; escrevia cartas, as quais eu não respondia, me pedindo que fosse visita-lo; como eu não ia, ele arranjava confusões com os demais presidiários (que não eram muito simpáticos e do tipo que não guarda rancor). Assim, eu tive que faltar diversas vezes no cursinho preparatório, justamente para ir ver o meu querido papai com a cara de pau dele toda roxa e arrebentada, porque havia levado vários socos. Eu não era maior de idade ainda, porém não deixaria que meus avós se expusessem a essa situação, que tivessem que vivenciar essas cenas, ainda mais com a idade deles. Meu pai não presta nem nessas horas.
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Mi Medicina •EB•
Fanfiction(S/N) estuda medicina; deu tudo de si durante 4 anos dentro de uma faculdade e, agora, finalmente vai começar o internato. Junto a suas 3 melhores amigas: Dani (a mais próxima), Maya e Eloá, ela passará pelo tudo ou nada de sua futura profissão; a p...