Cabeça

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  - Joel, eu acho que sou irmã do Erick.

Há alguns anos atrás...

(S/N)

  - Bons sonhos, querida! - A voz ríspida sussurra no meu ouvido, acompanhada de um bafo quente contra minha pele. Sua respiração está ofegante e sua mão puxa meus cabelos com força, sustentando-me perto de sua boca e fazendo meu coro cabeludo arder. Já desisti de falar alguma coisa, minha garganta já dói e quase não tenho voz para gritar depois dos berros de agora há pouco. - Eu disse boa noite! - Meus cabelos são puxados com mais força e ela sacode o meu corpo.

  - Boa noite, Sra. Rose. - Esforço-me para dizer e ser solta o mais rápido possível, e então sinto o ar de seu riso nasalado contra minha têmpora antes de ser atirada no colchão surrado, fazendo a cama ranger.

  - Orfãzinha de merda! - A mulher me olha dos pés à cabeça com repulsa, passa as mãos pela saia e depois pelo cabelo para se recompor. - Faz showzinho de novo pra você ver se mamãe vem te ninar até dormir.

  Encolhida na cama suja e velha, entre o lençol molhado pelas minhas lágrimas, abraço meus joelhos e os aperto conta o peito, tentando amenizar a latência em minhas costas, cabeça e coxas enquanto a observo sair do quarto e bater a porta atrás de si. Mais uma vez Rose caprichou na sequência de chineladas atrás das minhas coxas - ela diz que "crianças birrentas não aprendem só com tapinhas na bunda" - e isso faz com minhas pernas latejem e tremam a noite inteira. Mas nada se compara à dor que foi quando ela segurou meus pulsos em minhas costas e me bateu com um fio, desses mesmo de carregador de celular. Aquilo, além de arder, deixou feridas abertas na minha pele por mais de uma semana.

  Hoje a surra foi antes de dormir. Pelo menos não tive que sair da mesa de jantar e depois voltar e engolir a comida junto com o choro na frente de todo mundo. Isso porque hoje foi dia de visita aqui no orfanato, que é quando as pessoas vem conhecer o lugar e as crianças em busca de adoção. Parece um dia muito alegre por aqui, somos perfumados, bem alimentados e enchidos de beijos, apelidos e paparicos -afinal, essa é a imagem que o orfanato quer e tem que passar. Porém, a verdade é que recebemos duras instruções na véspera e somos expostos como manequins em vitrines: devemos ficar em fila e fazer tudo que os adultos mandam.

  Apesar de todas as bizarrices, eu gosto desses dias porque, como eu disse, comemos bastantes e até conseguimos aprontar algumas coisas com as velhas daqui do orfanato, já que, na frente dos casais, elas não podem nos bater. Mas tudo vem depois, assim como veio hoje. Quase fui adotada, cheguei a realmente impressionar um casal muito simpático, só que, por algum motivo, eles foram embora sem mim. Eu até finjo que não me incomodo com o que acontece por aqui, tento parecer durona por ser a mais velha daqui, mas hoje eu estava crente que iria me livrar de tudo isso e mais: ser feliz.

  E é justamente por isso que eu não quero me importar, porque sei que no final dá tudo errado. E pior: fazem dar errado. Como eu disse, sou a mais velha daqui, por isso já tenho mais consciência das sujeiras adultas, de tudo que eles fazem por trás dessa postura de boa alma, principalmente neste inferno que chamam de lar. Talvez seja por isso que eu sou a que mais apanha por aqui; eu afronto, esperneio, digo o que não querem ouvir e o mais importante: encaro a Rose. A Rose é a "cuidadora" mais antiga, como se fosse a superiora de todas as outras. Ela se sente a dona daqui, mas não passa de um pau mandado que faz o trabalho sujo dos verdadeiros donos, os quais montaram esse lugar porque não souberam lidar com a dor de não conseguirem ter um filho. Então, o jeito foi construir um casarão e enfiar várias crianças abandonadas, colocando-as sob os cuidados de pessoas frias que fazem questão de lembrá-las de que foram abandonadas. Acho que isso era o que o benévolo "casal fundador" realmente queria fazer -  castigar os filhos de quem conseguiu realizar o sonho deles e o desperdiçou - mas não teve coragem de assumir a culpa dos maus tratos.

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⏰ Última atualização: Jul 06, 2020 ⏰

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