CAPÍTULO XXVIII

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CAPÍTULO XXVIII

O mar da Ligúria, cintilando à claridade do outono, lança­va languidamente sua franja prateada sobre os recifes rosa­dos que abraçavam Livorno. Gritos de gaivotas pairavam no ar. Longe, uma nuvem branca deslizava devagar no céu azul, formando um plano de fundo encantador para a pequena al­deia que se espalhava pelos vertentes da colina revestida de ciprestes e oliveiras.

Da carruagem aberta, parada na estrada que dominava a baía, Anastasia tinha uma vista magnífica da praia. Mas não era a beleza do dia ou do cenário que atraía sua atenção. Du­rante a última meia hora, enquanto esperava que Patrick e Me­gan voltassem da aldeia, ficara a observar um grupo de crianças que brincava na areia sob os olhares vigilantes de uma mu­lher alta, de.porte aristocrático.

Os pequenos, cujas idades pareciam variar dos três aos dez anos, eram aleijados. Dois ou três usavam muletas. Não obs­tante, eram alegres e descontraídos, saindo e entrando à von­tade no mar, ou entregando-se a outros folguedos com o desembaraço de criaturas normais.

A mulher que os acompanhava usava um leve vestido de ve­rão e segurava pelas mãos duas gémeas, obviamente cegas. Ela não era jovem, apesar da agilidade com que se movimentava
por entre seus jovens protegidos. Mechas grisalhas escapavam-lhe do chapéu de palha, e sua voz, quando falava ou ria, ti­nha um timbre agradável.

Curioso! Seria capaz de jurar que a conhecia, embora na­da, nenhum pormenor de sua figura esbelta justificasse essa estranha sensação. Nem suas feições, apenas visíveis sob as abas do imenso chapéu, ou sua voz cálida. No entanto, havia nela qualquer coisa que...

Súbito, deixou de examinar aquelas impressões e voltou a pensar em sua própria situação. Tinham decorrido dois me­ses do dia em que fora resgatada. Dois longos meses, durante os quais os esforços de Patrick para levá-la à América haviam sido frustrados pelo policiamento da patrulha marítima inglesa, que agia ao longo da costa.

Embora sabendo que essa ação contra os navios america­nos era ilegal, seu irmão temia um confronto direto com os ingleses no mar. O Anastasia Anne navegava então sob ban­deira americana e, se fosse alcançado, seria certamente con­fiscado pela Marinha Real Inglesa, sob a imputação de estar fazendo contrabando ou espionagem.

Assim, pelo espaço de seis semanas, haviam se limitado a navegar somente à noite. Durante o dia, ficavam abrigados numa das muitas enseadas disseminadas ao longo da costa inglesa.

Mas, cerca de quinze dias antes, quando ao seu sofrimento viera somar-se um mal-estar matutino, deixando claro a to­dos que estava grávida, Patrick se convenceu de que não po­diam esperar mais.

— Navegamos sob falsa bandeira. Alemã ou belga — dis­sera ele. — E tomaremos o rumo do sul, seguindo a linha da costa. É arriscado, mas menos perigoso do que o mar aberto.

Quando Anastasia e Megan interrogaram-no sobre o desti­no da escuna, ele lhes mostrara uma carta que recebera de Li­vorno, cidade portuária de Toscana, e deixara deliberadamente escapar a incrível história da mensageira, Maria, condessa de Montefiori, ou Mary, ex-viscondessa Grey.

A mãe de Christian! A dor golpeou-a instantaneamente, trazendo de volta à sua memória as circunstâncias em que deixara a mansão.

"Que outra coisa eu podia fazer senão ir embora? Ele que­ria o divórcio..."

Conteve as lágrimas que ameaçavam transbordar de seus olhos e voltou-se novamente para a praia. A desconhecida es­tava reunindo seus pequenos. Momentos depois, alcançavam a estrada e iniciavam a marcha entoando uma canção singela.

Equívoco de Christian GreyOnde histórias criam vida. Descubra agora