PRÓLOGO

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Kent, Inglaterra, 1795

John Grey, o oitavo duque de Ravensford, debruçou-se sobre a grande mesa esculpida. As sombras da biblioteca incidiam sobre seu rosto anguloso, acentuando-lhe as reentrân­cias e ocultando o vivo sofrimento que havia em seus olhos.

— Seus pais estão mortos, filho. E também seu irmão — disse ele, dirigindo-se ao pequeno gentleman à sua frente. — Tem alguma coisa a dizer a esse respeito?

Christian Grey ergueu os olhos azul-turquesa e sustentou o olhar penetrante do avô, sem dar mostras da dor que lhe oprimia o coração desde que tivera conhecimento da pungen­te tragédia.

— Meu pai morreu, meu avô. E também meu meio-irmão.

O velho duque pôs-se de pé e fitou-o, chocado.

— Está sendo impertinente, filho. Esperava algumas pala­vras que exprimissem sentimento de dor e compaixão, não uma digressão sobre a genealogia de nossa família!

O menino respirou fundo duas ou três vezes, como se lhe fosse difícil responder.

— Não quis ser impertinente, senhor. Mas é que minha ver­
dadeira mãe...

O duque olhou-o fixamente, como se ele fosse uma cortina de vidro que deixasse transparecer o passado,

— Como se atreve a falar de alguém que deixou de existir há mais de sete anos, no instante em que saiu desta casa? Esqueceu-se de que ela foi infiel a seu pai, antes de abandoná-lo?

Christian ergueu heroicamente a cabeça, e sua súbita coragem tornava-se mais eloquente pelo rubor que o sofrimento lhe causava.

— Não, senhor. Não esqueci.

Ele não se esquecera, apesar de nunca mais ter reencontra­do a mãe, cujo nome, Mary, viscondessa Grey, havia si­do banido de Ravensford Hall. Falara-se dela baixinho, nos primeiros tempos. Porém, jamais conseguira conciliar aque­las palavras sussurradas com as recordações esmaecidas mas persistentes de uma moça alta, de fisionomia iluminada e olhos brilhantes.

— Um acontecimento trágico, absurdo — tornou a dizer o duque, chamando-o à realidade. — E, de novo, por causa de uma mulher! Foi sua madrasta, lady Caroline, que levou seu pai para esse trágico fim.

— Deixe que os mortos repousem em paz, John!

Christian ergueu os olhos, surpreso, ao ver a ajta e majestosa figura de lady Margaret, irmã gémea do duque, emergir da outra extremidade do salão revestido de lambris escuros e aproximar-se deles com passos lentos. Não estava a sós com seu avô, como imaginara.

John Grey voltou-se para ela e olhou-a com frieza.

— Se quiser participar desta entrevista, embora eu não en­tenda qual é seu interesse nisso, procure não me interromper.Quanto aos mortos, deixe-me dizer, por seu bem e pelo do me­nino, que meu filho e sua segunda mulher formavam um par de desmiolados.

Lady Margaret escandalizou-se.

— Mas isso é monstruoso!

— É a verdade — disse o duque calmamente. — O menino a saberá, mais cedo ou mais tarde... e acho que deveria sabêlo já. Os dois estavam embriagados quando deixaram a caça­
da e instalaram-se na carruagem que os levou para a morte. O velho Henry contou-me que viu Edward arrancar as rédeas das mãos do cocheiro e lançar o carro pela estrada a uma ve­locidade espantosa.

— Mas o eixo defeituoso... --- quis objetar Margaret.

— Se Edward estivesse sóbrio ou á carruagem confiada a mãos mais competentes, eles teriam, talvez, sido poupados des­se final prematuro. E quem sabe aquele inocente não teria ser­vido como vítima expiatória!

Equívoco de Christian GreyOnde histórias criam vida. Descubra agora