Robert Adams olhou para a figura de Sua Graça, envolto até a cintura numa coberta adamascada, e comoveu-se quase até as lágrimas.
Aí estava o homem que reunia as melhores qualidades: inteligência, coragem e honestidade. E que, sendo tão rico, procurara usar todos seus privilégios da melhor maneira possível, dando o máximo de si mesmo. Seu falecimento constituiria uma grande perda para a Inglaterra.
Sentiria pela morte de John Grey um pesar que só a morte de seu pai lhe causara. E o prantearia como o amigo a quem toda a vida se impusera o dever de respeitar.
- Robert! — disse de repente uma voz rouca, arrancando-o das divagações. — Pare de me olhar desse jeito! Ainda não morri... embora meus dias já estejam contados.
— Por favor, Sua Graça!
- Não tenho ilusões, meu amigo. Portanto, poupe-me de sua piedade. — A boca exangue de John Grey contraiu-se num sorriso fatigado. — Diga, você a trouxe?
Adams confirmou com a cabeça.
— Deixei-a aos cuidados de lady Margaret, Sua Graça.
- Muito bem. — O duque fez um sinal para que ele se aproximasse. — Preciso confessar-lhe uma coisa, Robert. Devido ao meu estado de saúde, fui obrigado a expor o objeto e os motivos
de nossa iniciativa à minha irmã. Ela concordou em me ajudar, desde que isso não interferisse em seus planos de estreitar uma nova aliança com seus queridos Hastings. Mas você devia vê-la, quase perdeu a cabeça. É uma lembrança que levarei para o túmulo! O duque tornou a sorrir, e a expressão franca, bem-humorada e quase juvenil de seus olhos contrastava com a extrema lividez de seu rosto.— Christian já viu a moça?
- Sua Senhoria ainda não voltou da viagem a Londres.
— Então faça-me um favor, Robert.
- Tudo o que quiser, Sua Graça.
- Quando descer, dê ordens para que ele venha a meus apo-
sentos assim que chegar de viagem. Preciso convencê-lo a travar um conhecimento... mais íntimo com as mulheres!Meia hora depois, Christian saía dos estábulos e dirigia-se para casa. Estava ainda eufórico com a cavalgada que acabara de percorrer através dos verdes campos de seu avô. Não havia nada que se comparasse a um dia de primavera em Kent!
Contemplou as vastas extensões de terra, que se estendiam a perder de vista, e sentiu-se tocado por um desejo ardente de permanecer ali para sempre. Ah, se pudesse deitar raízes, como uma árvore...
Parou um momento à sombra de um carvalho e pôs-se a desfiar, absorto, uma das folhas grossas, sentindo nos dedos a seiva branca. Por que impusera a impossibilidade tanto de fazer uma pausa como de impregnar-se dessa beleza e tranquilidade?
Pensou nas alegres noitadas em Londres e no incessante desfile de festas, bailes e recepções repletos de gente que falava muito e dizia pouco. O tédio das conversas frívolas, os jogos de carta e, sobretudo, os prazeres picantes... O que tinha ele em comum com aquelas mulheres insensatas, que se abandonavam sem reserva?
Olhou para as janelas obscurecidas do quarto do velho sóbrio, que tinha sobre si o cinzento da morte, e pensou:
"Ah, meu avô! Foi para isso que lutou tanto? Foi para isso que me estimulou a trabalhar arduamente e a seguir seus pas-sos? Eu o fiz de boa vontade, porque era importante para mim conquistar seu respeito e seu amor. Mas o que faço agora? Como encontrar aquilo de que preciso?"
O duque estava cochilando, mas despertou ao ouvir o suave clique da maçaneta e sentou-se na cama.
- Ah, é você, Christian? Aproxime-se, meu rapaz.
Ele estendeu a mão trémula.
— Venha sentar-se a meu lado.
Christian aproximou-se solícito e sentou-se à beira do leito.
— Como se sente, meu avô?
— Um pouco pior do que o habitual. Se soubesse, teria abreviado esta agonia, truncado o medo e a solidão. Mas não o chamei aqui para falar sobre a fragilidade de meu corpo. Vamos falar a seu respeito.
— A meu respeito? — Os olhos de Christian estreitaram-se. — A propósito de quê?
A pergunta pairou por um instante no silêncio que se fez entre ambos. Finalmente o duque decidiu-se:
— Estou preocupado com suas ideias a respeito do casamento.
— Por quê, meu avô? Não é normal que um homem jovem queira permanecer solteiro por algum tempo?
— O problema — disse o duque com inesperado vigor — é que você parece ter se esquecido da necessidade de dar continuação à nossa família!
Christian franziu a testa com ar de desagrado.
— Compreendo. O senhor quer que eu me case com essa... essa Hastings e a engravide depressa.
O duque ergueu os cenhos e disse severamente:
— Guarde essa linguagem de caserna para seus amigos do Almack's!
Ele fez uma pausa demorada, reunindo as forças e as palavras. Depois disse:
— Você é o sustentáculo de nossa ilustre casa e não pode correr o risco de morrer sem paternidade. Essa... essa jovem que você parece desprezar reúne todas as condições necessárias para dar-lhe um herdeiro.
Seu neto sorriu friamente.
— O senhor permitiu que lady Margaret o convencesse, meu avô?
O duque pareceu não ouvi-lo, pois continuou:
— Estive pensando que devia haver um motivo sério para sua incompreensível resistência ao matrimónio e tomei algumas providências.
Christian olhava-o atónito.
— Pelo amor de Deus, meu avô! Do que está falando?
— Do que considero como um fracasso em minha missão: sua falta de experiência com as mulheres.
- O quê?
— Para mim, é bastante fácil compreender. Nunca o incentivei a confraternizar-se com elas. Isso deve significar que você é virgem... ou quase. Que outra coisa poderia explicar essa aversão... — Um súbito e violento acesso de tosse, que o dobrou ao meio, impediu o duque de continuar.
A perplexidade de Christian foi logo substituída por uma profunda preocupação, que lhe sufocou na garganta as últimas palavras de protesto. Aguardou que o espasmo passasse e então perguntou gentilmente:
— Está em condições de continuar, a conversa, meu avô?
— É preciso... Resta-me pouquíssimo tempo... — O duque fez uma pausa ofegante. — Agora ouça e não me interrompa: nesse momento há uma... uma profissional do prazer... instalada em seu quarto. Adams trouxe-a para cá a meu pedido, com o único propósito... de instruí-lo... sobre o assunto que estivemos discutindo.
Sua Graça estendeu a mão descarnada, e Christian segurou-a entre as suas.
- Já tenho demasiados débitos para levar a meu ajuste de contas final. Esse último poderia ser demais. Prometa-me, por-tanto, que irá ter com ela... imediatamente. É a última coisa que lhe peço. Passe o tempo que quiser na companhia dela e aprenda a encontrar conforto numa cama de mulher. Depois, case-se. Prometa, Christian! — concluiu ele, fechando os olhos e recostando-se, pálido e exausto, no travesseiro. Christian ficou um longo momento a olhá-lo. Afinal, por que não dar uma última ilusão a um velho agonizante? Apertou-lhe a mão ternamente e murmurou:
- Prometo, meu avô.
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Equívoco de Christian Grey
FanfictionRESUMO Um terrível equívoco rouba a inocência de uma jovem e compromete o coração de um famoso conquistador Amedrontada, Anastasia correu os olhos pelo imponente aposento que lhe haviam destinado. A ampla cama de casal, as ricas cortinas de veludo...