CAPÍTULO IV

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Robert Adams olhou para a figura de Sua Graça, envolto até a cintura numa coberta adamascada, e comoveu-se quase até as lágrimas.

Aí estava o homem que reunia as melhores qualidades: in­teligência, coragem e honestidade. E que, sendo tão rico, pro­curara usar todos seus privilégios da melhor maneira possível, dando o máximo de si mesmo. Seu falecimento constituiria uma grande perda para a Inglaterra.

Sentiria pela morte de John Grey um pesar que só a morte de seu pai lhe causara. E o prantearia como o amigo a quem toda a vida se impusera o dever de respeitar.

- Robert! — disse de repente uma voz rouca, arrancando-o das divagações. — Pare de me olhar desse jeito! Ainda não morri... embora meus dias já estejam contados.

— Por favor, Sua Graça!

- Não tenho ilusões, meu amigo. Portanto, poupe-me de sua piedade. — A boca exangue de John Grey contraiu-se num sorriso fatigado. — Diga, você a trouxe?

Adams confirmou com a cabeça.

— Deixei-a aos cuidados de lady Margaret, Sua Graça.

- Muito bem. — O duque fez um sinal para que ele se aproxi­masse. — Preciso confessar-lhe uma coisa, Robert. Devido ao meu estado de saúde, fui obrigado a expor o objeto e os motivos
de nossa iniciativa à minha irmã. Ela concordou em me ajudar, des­de que isso não interferisse em seus planos de estreitar uma nova aliança com seus queridos Hastings. Mas você devia vê-la, quase perdeu a cabeça. É uma lembrança que levarei para o túmulo! O duque tornou a sorrir, e a expressão franca, bem-humorada e quase juvenil de seus olhos contrastava com a extrema lividez de seu rosto.

— Christian já viu a moça?

- Sua Senhoria ainda não voltou da viagem a Londres.

— Então faça-me um favor, Robert.

- Tudo o que quiser, Sua Graça.

- Quando descer, dê ordens para que ele venha a meus apo-
sentos assim que chegar de viagem. Preciso convencê-lo a travar um conhecimento... mais íntimo com as mulheres!

Meia hora depois, Christian saía dos estábulos e dirigia-se para casa. Estava ainda eufórico com a cavalgada que acabara de percorrer através dos verdes campos de seu avô. Não havia nada que se comparasse a um dia de primavera em Kent!

Contemplou as vastas extensões de terra, que se estendiam a perder de vista, e sentiu-se tocado por um desejo ardente de permanecer ali para sempre. Ah, se pudesse deitar raízes, como uma árvore...

Parou um momento à sombra de um carvalho e pôs-se a desfiar, absorto, uma das folhas grossas, sentindo nos dedos a seiva branca. Por que impusera a impossibilidade tanto de fazer uma pausa como de impregnar-se dessa beleza e tranquilidade?

Pensou nas alegres noitadas em Londres e no incessante desfile de festas, bailes e recepções repletos de gente que falava muito e dizia pouco. O tédio das conversas frívolas, os jogos de carta e, sobretudo, os prazeres picantes... O que tinha ele em comum com aquelas mulheres insensatas, que se abandonavam sem reserva?

Olhou para as janelas obscurecidas do quarto do velho só­brio, que tinha sobre si o cinzento da morte, e pensou:

"Ah, meu avô! Foi para isso que lutou tanto? Foi para isso que me estimulou a trabalhar arduamente e a seguir seus pas-sos? Eu o fiz de boa vontade, porque era importante para mim conquistar seu respeito e seu amor. Mas o que faço agora? Como encontrar aquilo de que preciso?"

O duque estava cochilando, mas despertou ao ouvir o suave clique da maçaneta e sentou-se na cama.

- Ah, é você, Christian? Aproxime-se, meu rapaz.

Ele estendeu a mão trémula.

— Venha sentar-se a meu lado.

Christian aproximou-se solícito e sentou-se à beira do leito.

— Como se sente, meu avô?

— Um pouco pior do que o habitual. Se soubesse, teria abre­viado esta agonia, truncado o medo e a solidão. Mas não o cha­mei aqui para falar sobre a fragilidade de meu corpo. Vamos falar a seu respeito.

— A meu respeito? — Os olhos de Christian estreitaram-se. — A propósito de quê?

A pergunta pairou por um instante no silêncio que se fez en­tre ambos. Finalmente o duque decidiu-se:

— Estou preocupado com suas ideias a respeito do ca­samento.

— Por quê, meu avô? Não é normal que um homem jovem queira permanecer solteiro por algum tempo?

— O problema — disse o duque com inesperado vigor — é que você parece ter se esquecido da necessidade de dar conti­nuação à nossa família!

Christian franziu a testa com ar de desagrado.

— Compreendo. O senhor quer que eu me case com essa... essa Hastings e a engravide depressa.

O duque ergueu os cenhos e disse severamente:

— Guarde essa linguagem de caserna para seus amigos do Almack's!

Ele fez uma pausa demorada, reunindo as forças e as pala­vras. Depois disse:

— Você é o sustentáculo de nossa ilustre casa e não pode correr o risco de morrer sem paternidade. Essa... essa jovem que você parece desprezar reúne todas as condições necessá­rias para dar-lhe um herdeiro.

Seu neto sorriu friamente.

— O senhor permitiu que lady Margaret o convencesse, meu avô?

O duque pareceu não ouvi-lo, pois continuou:

— Estive pensando que devia haver um motivo sério para sua incompreensível resistência ao matrimónio e tomei algu­mas providências.

Christian olhava-o atónito.

— Pelo amor de Deus, meu avô! Do que está falando?

— Do que considero como um fracasso em minha missão: sua falta de experiência com as mulheres.

- O quê?

— Para mim, é bastante fácil compreender. Nunca o incen­tivei a confraternizar-se com elas. Isso deve significar que você é virgem... ou quase. Que outra coisa poderia explicar essa aversão... — Um súbito e violento acesso de tosse, que o do­brou ao meio, impediu o duque de continuar.

A perplexidade de Christian foi logo substituída por uma pro­funda preocupação, que lhe sufocou na garganta as últimas pa­lavras de protesto. Aguardou que o espasmo passasse e então perguntou gentilmente:

— Está em condições de continuar, a conversa, meu avô?

— É preciso... Resta-me pouquíssimo tempo... — O duque fez uma pausa ofegante. — Agora ouça e não me interrompa: nesse momento há uma... uma profissional do prazer... instalada em seu quarto. Adams trouxe-a para cá a meu pedido, com o único propósito... de instruí-lo... sobre o assunto que estive­mos discutindo.

Sua Graça estendeu a mão descarnada, e Christian segurou-a entre as suas.

- Já tenho demasiados débitos para levar a meu ajuste de contas final. Esse último poderia ser demais. Prometa-me, por-tanto, que irá ter com ela... imediatamente. É a última coisa que lhe peço. Passe o tempo que quiser na companhia dela e aprenda a encontrar conforto numa cama de mulher. Depois, case-se. Prometa, Christian! — concluiu ele, fechando os olhos e recostando-se, pálido e exausto, no travesseiro. Christian ficou um longo momento a olhá-lo. Afinal, por que não dar uma última ilusão a um velho agonizante? Apertou-lhe a mão ternamente e murmurou:

- Prometo, meu avô.

Equívoco de Christian GreyOnde histórias criam vida. Descubra agora