CAPÍTULO III

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CAPÍTULO III

Os olhos amendoados de Monique Chatworth lançavam chis-pas de ódio, enquanto espiavam Anastasia pela porta entrea-berta do quarto. A jovenzinha, cabelos trançados e pés metidos em chinelinhas de couro, preparava-se para apanhar a pesada bundeja de prata contendo os restos da refeição matinal de Madame, tarefa que cumpria pontualmente às onze horas, to­dos os dias.

Seus crescentes encantos lembravam-lhe a todo instante que não estava mais em condições de competir com alguém mais jovem, numa profissão onde juventude e beleza eram tudo. Carnes mais rijas iriam substituí-la quando seu próprio corpo começasse a fenecer, numa confirmação do inevitável.

Enquanto isso, indiferente à sua sorte, aquela atrevida criatura continuaria a florescer. Apertou os lábios, furiosa. Anastasia a vencia e humilhava! Corriam rumores em Hampton House de que Madame fora induzida a arranjar-lhe um em­prego "decente". Um dia qualquer, vê-la-ia partir do bordel para instalar-se numa casa bonita, gozando de uma situação estável, enquanto ela própria seria largada, abandonada, posta de lado!

Ainda irritada, pensou em seu sonho desfeito, para sempre perdido no dia em que havia sido abandonada pelo jovem lorde que lhe prometera casamento e inúmeras vantagens e depois a deixara sem um níquel, num quarto de hotel!

Ainda não podia pensar em nada que se relacionasse com aquela época sem estremecer. Fechou os olhos e sacudiu a ca­beça, na tentativa de esquecer aquele amargo repúdio e as se­manas em que se vira obrigada a percorrer as calçadas para sobreviver, o que fizera envergonhada e corroída de humilha­ção, depois de perder toda a esperança de voltar para casa.

Casa! O vicariato era uma verdadeira prisão! O pai, severo e intransigente, preocupava-se apenas em conduzir para o resto caminho as almas de seu rebanho, e a mãe, submissa, negava-lhe qualquer prazer, com a desculpa de que um dia ou outro acabaria se perdendo. Não, não desejava voltar para lá, mes­mo que isso fosse possível!

Mas o que não daria para ter a oportunidade de Anastasia! Empregar-se na fina casa de algum lorde rico, onde haveria certamente toda a sorte de possibilidades para uma mulher in­teligente e empreendedora. Era a chance com que sempre so­nhara. E vê-la ser oferecida numa bandeja de prata para aquela pequena ordinária...

Súbito, a porta dos aposentos particulares de Madame abriu-se, e ela apareceu no limiar vestindo um suntuoso traje de via­gem. Ao avistar Monique, que recuava, envergonhada, fitou-a entre divertida e solene.

— Bisbilhotando, querida? Ainda é muito cedo. Nós duas sabemos que a maioria das mulheres desta casa ainda está dor­mindo. Como você deveria fazer para preservar sua beleza!

Monique sorriu, não deixando que seus nervos a traíssem, e procurou assumir um ar de servil cordialidade.

— Já descansei bastante por hoje, Madame. Posso lhe ser útil em alguma coisa?

— Se fizer mesmo questão...

— Terei imenso prazer, Madame.

— Vou passar alguns dias na casa de amigos, em Londres.
Desça até a cozinha e diga a Dorcas que a carta que estáva­mos esperando chegou esta manhã. Deixei-a sobre minha se­cretária. Ela pode vir retirá-la quando quiser.

— Pois não, Madame.

Monique seguiu-a com os olhos, até vê-la mergulhar na som­bra em que se perdia a escada. Já se dispunha a obedecê-la quando um pensamento tomou corpo em sua mente. Olhou de um lado para o outro. Não havia ninguém ali. Então, um sorriso entreabrindo-lhe os lábios, abriu a porta dos aposen­tos de Madame.

Equívoco de Christian GreyOnde histórias criam vida. Descubra agora