CAPÍTULO XXXV

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CAPÍTULO XXXV

Os dois navios prosseguiam na mesma rota, singrando in­cansavelmente as águas calmas. Sentiam-se seguros e navega­vam sob bandeira do Reino Unido. E era a Inglaterra que, depois de Trafalgar, quando Nelson alcançara uma vitória total sob as frotas reunidas da Espanha e França, detinha agora a supremacia nos mares.

Anastasia passava os dias na cama, recobrando-se do des­gaste do parto. Christian revezava-se com Maria a sua cabeceira. Ele continuava a dormir na cabina de Geordie Scott, mas to­mava as refeições na companhia da esposa, que se impacien­tava com essa imobilidade forçada, dedicando-lhe toda sua atenção e seu tempo livre.

Às vezes, distraía-a lendo-lhe poemas de Shelley ou Byron, guiando seu espírito e interrogando-a sobre seus gostos em ma­téria de arte. Outras, falava-lhe dos princípios políticos de Shel­ley, das consequências da fuga de Napoleão ou de que modo iria acomodar as crianças na casa da King Street.

Anastasia admirava-se de que o marido não fizesse referên­cia alguma ao passado, parecendo aceitar sem restrições a si­tuação atual. De sua parte, ela sentia necessidade de uma conversa mais íntima, que esclarecesse as dúvidas e afugen­tasse as mágoas. Mas não queria desagradá-lo, tocando num assunto que ele parecia evitar.

Christian jamais se mostrara tão gentil, jamais revelara tão franca e positiva alegria. Era como se estivesse olhando o mundo sob um novo prisma, ou vendo-o realmente pela primeira vez. O nascimento da filha havia produzido esse milagre? Ou a re­conciliação com a mãe?

Havia momentos, porém, em que o surpreendia olhando pa­ra ela com ar pensativo. Sentia então que existia uma preocu-

pação não expressa sob essa admirável serenidade. Estaria pen­sando em fazer alguma referência a suas relações anteriores, mas temendo destruir a paz que haviam conquistado? Ou es­perando, talvez, que ela desse o primeiro passo?

Essas e outras questões semelhantes enchiam sua mente nu­ma tarde em que se encontrava sozinha no camarote. Súbito, um pormenor veio-lhe à mente. Ela lhe dissera, nos jardins da confessa, que deixara de ser a criatura passiva que sempre fora e começara a ter um controle mais ativo sobre sua pró­pria vida.

"Então", perguntou-se, "que estou fazendo aqui? Esperan­do que meu marido venha falar comigo sobre assuntos que dizem respeito a nosso relacionamento? Voltando a meu ve­lho hábito de deixar que as coisas aconteçam?"

Jogou a coberta para o lado e levantou-se. Sentiu uma li­geira vertigem. Mas, lançando mão de toda a resistência, ca­minhou até o toucador e começou a preparar-se com extrema atenção. Antes de sair, mirou-se pela última vez ao espelho. Satisfeita, deixou o camarote e subiu sem fazer ruído ao convés.

Christian estava ao leme, de costas para ela. Admirou-lhe os om­bros amplos, destacados pelo casaco azul de marinheiro, o vi­gor das pernas musculosas, ligeiramente separadas para que ele mantivesse o equilíbrio, e sentiu-se invadida por uma on­da de sensualidade.

Enquanto se dirigia para a ponte, um jovem marinheiro cru­zou seu caminho. Lutando contra uma intensa timidez, ele ti­rou o gorro e sorriu. Ela levou o dedo aos lábios, indicando que queria surpreender o marido, e o rapaz assentiu vagaro­samente.

Christian percebeu um movimento nas sombras e disse, sem voltar-se:

— Sr. Cárter, pensei ter-lhe dito que... Anastasia! Que está fazendo aqui?

— Por favor, Christian. Não fique zangado. Eu precisava res­pirar um pouco de ar puro. Estava começando a me sentir uma prisioneira.

— Pense em sua saúde, querida.
Ela sorriu.

Equívoco de Christian GreyOnde histórias criam vida. Descubra agora